Ficha suja

picture (72)Palavras há que, quando as ouço, logo me acautelo diante de quem as fala. Modismos são cíclicos. Houve a época do “a nível de”, logo em seguida fomos apresentados ao “viés”, depois ao “permear”, atualmente a palavra da moda é, ainda, “pontual”. Cidadania é palavra que me dá arrepios. Pois tem servido muito mais a falácias do que ao que realmente é.

Para haver cidadania, pressupõe-se o Estado. Não há cidadania sem Estado, que é a nação juridicametne organizada. Se há um Estado injusto, enfraquecido, abalado em seus alicerces, também são frágeis os cidadãos. É, então, que a cidadania se revela no espírito cívico, na capacidade de recuperar e de reencontrar valores. Num Estado sério, os direito são de tal forma definidos e claros que os cidadãos falam e pensam mais em obrigações e deveres.. Até crianças e adolescentes – nessa ditadura infanto-juvenil que nos foi imposta – aprenderam a falar de direitos, a exigi-los. Mas nada dizem de deveres e de obrigações.

Há algum tempo, participando de um debate com professores, uma jovem mestra cobrou-me uma sugestão para a educação e o ensino. Ora, não sou especialista nisso, nem acredito em algumas sofisticadas teorias de educação. Jornalista entende de generalidades. Mas dei meu palpite. Eu começaria exigindo que as crianças se levantassem à entrada do professor na sala de aula, que fizessem silêncio quando professor falasse. Na verdade, eu começaria pelo início das coisas: mestre é mestre, aluno é aluno; pai é pai, filho é filho; governante é governante, governado é governado. Ou seja: há que se restabelecer o princípio da autoridade. E o Brasil – de medo dos tempos autoritários – perdeu o respeito pela autoridade. Ora, até entre animais há comando, liderança, hierarquia. Que loucura estamos fazendo?

Uma sociedade civilizada se assenta na virtude, palavra desmoralizada. Mas é esta a base social e não adianta filosofar em torno do nada. Se não se estabelecem valores, se não se propõem e defendem virtudes – não há como falar em cidadania, que, pressupondo um Estado decente, sobrevive da dignidade, da honra. Não se constrói uma nação com desonra e “levando vantagem em tudo”. O exemplo dessa tragédia nacional pode estar na questão da “ficha suja” dos candidatos às eleições. Se a Justiça permite réus sejam candidatos – mas nenhuma loja comercial dá crédito a quem tem “ficha suja” em bancos – o dever do eleitor consciente é negar seu voto a tais candidatos, muitos deles suspeitos e denunciados há muito tempo, sem, no entanto, julgamento por culpa de dribles processuais numa Justiça que também vai perdendo o respeito. Como saber que político merece confiança, se todos os processos contra eles são em “segredo de justiça” ou em foro privilegiado?

Certa vez, aqui mesmo em Piracicaba, uma vereadora, ao mudar de partido, alegou: “assinatura de político não vale”, negando a sua própria na ficha partidária. Foi reveladora a sua sinceridade: ela desnudou falácias e mostrou o quanto está distante o sonho de democracia, de país decente, de uma nação honrada onde a cidadania seja uma verdade, não mais farsas.

E o que dizer quando “ficha suja” atinge até reitor de universidade, universidade confessional, mantida por igreja secular? A perda da vergonha tem que ser compensada pela reação do povo. Uma nação se constrói de baixo para cima. Bom dia.

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