Palavra dada e fio de bigode

picture (44)Há palavras que, quando as ouço, logo me acautelo diante de quem as fala. Modismos são cíclicos. Houve a época do “a nível de”, logo em seguida fomos apresentados ao “viés”, depois ao “permear”, atualmente a palavra da moda é “pontual”. Sei lá se isso nos chegam dos acadêmicos, se nos vêm de mesa de bar. O fato é que criam moda, permanecem algum tempo, somem. Cidadania é palavra que me dá arrepios. Pois tem servido muito mais a falácias do que ao que realmente é.

Para haver cidadania, pressupõe-se o Estado. Não há cidadania sem Estado, que é a nação juridicamente organizada. Se há um Estado injusto, enfraquecido, abalado em seus alicerces, também são frágeis os cidadãos. É, então, que a cidadania se revela no espírito cívico, na capacidade de recuperar e de reencontrar valores. Num Estado estável, os direito são de tal forma definidos e claros que os cidadãos falam e pensam mais em obrigações e deveres. No Brasil, a noção de cidadania – por tudo o que se vê e ouve – patina na questão de direitos, ocultando, porém, responsabilidades, deveres e obrigações. Até crianças e adolescentes – nessa ditadura infanto-juvenil que nos foi imposta – aprenderam a falar de direitos, a exigi-los. Mas nada dizem de deveres e de obrigações.

Tem sido assim também com moços e adultos: fanfarras para direitos; silêncios fúnebres para deveres. Alguns notáveis apologistas da cidadania chegam a rir-se dos que dizem de civismo, de respeito a leis, de urbanidade, até mesmo da simples polidez. São tempos de falácias, essas verdades enganosas. Já muito se falou dos crimes que se cometem em nome da liberdade. E das crueldades, em nome de Deus. Agora, há que se falar das malandragens em nome da cidadania.

Há algum tempo, participando de um debate com professores, uma jovem mestra cobrou-me uma sugestão para a educação e o ensino. Ora, não sou especialista nisso, nem acredito em algumas sofisticadas teorias de educação. Jornalista entende de generalidades. Mas dei meu palpite. Eu começaria exigindo que as crianças se levantassem à entrada do professor na sala de aula, que fizessem silêncio quando professor falasse. Na verdade, eu começaria pelo início das coisas: mestre é mestre, aluno é aluno; pai é pai, filho é filho; governante é governante, governado é governado. Ou seja: há que se restabelecer o princípio da autoridade. E o Brasil – de medo dos tempos autoritários – perdeu o respeito pela autoridade. Ora, até entre animais há comando, liderança, hierarquia. Que loucura estamos fazendo?

Uma sociedade civilizada se assenta na virtude, palavra desmoralizada. Mas é esta a base social e não adianta filosofar em torno do nada. Se não se estabelecem valores, se não se propõem e defendem virtudes – não há como falar em cidadania, que, pressupondo um Estado decente, sobrevive da dignidade, da honra. Não se constrói uma nação com desonra e “levando vantagem em tudo”. O exemplo dessa tragédia nacional marcou-me, há alguns anos, a partir da declaração de uma vereadora de Piracicaba justificando infidelidades a compromissos. Ela proclamou, há uns cinco anos passados: “Assinatura de político não tem valor”. Dizendo-o, ela não apenas desnudou tantas falácias: mostrou o quanto está distante o sonho de democracia, de país decente, de uma nação honrada onde a cidadania seja uma verdade, não mais farsas.

Ainda há pouco tempo – e ainda valendo para pessoas honradas, que existem apesar de maremotos de safadezas – não era preciso assinatura Bastavam a palavra, um fio de bigode. Mas, então, a “escola era risonha e franca.” Pois é. E bom dia.

Deixe uma resposta