Fim ou novo tempo do “Jornal do Brasil”

Jornal do BrasilQuase tudo já se falou – especialmente em lamentações – a respeito do encerramento do “Jornal do Brasil” em sua mais do que centenária versão impressa. Há unanimidade: foi um dos maiores e principais jornais do Brasil, orgulho da imprensa brasileira. Foi. Porque, já há décadas, tendo passado a mãos apenas empresariais, o JB tinha perdido a sua identidade, o prestígio e, em especial, a influência como órgão formador de opinião pública. Desde que a herdeira, Condessa Pereira Carneiro, transferiu-o para terceiros, na tentativa de evitar-lhe a falência, o “Jornal do Brasil” se transformou em caricatura de si mesmo. Portanto, se se falar em morte dele, há que se falar de que ela aconteceu há muito tempo.

Na década de 1970, tive a oportunidade de ser testemunha circunstancial de como, no governo militar, já se preparava o enfraquecimento do “Jornal do Brasil”, ao mesmo tempo em que, poucos anos antes, se organizava toda a estrutura para acontecer o que seria a atual Globo. O Jornal do Brasil pleiteava um canal de televisão, concessão do governo federal, como ainda é hoje. Já o solicitara duas ou três vezes, ia sendo preterido. E, naquele ano – acho que 1971, 1972 – talvez fosse a sua última oportunidade e, também, o alento de que precisava para se firmar novamente como grande empresa de comunicação.

Rafael Baldacci, de quem fui amigo muito próximo, era o Secretário do Interior do governador Paulo Egydio Martins. E ele tinha grande influência junto ao governo federal, em especial no Ministério das Comunicações. Aliás, Baldacci era um dos nomes mais fortes para a sucessão de Paulo Egydio, que sofri oposição do grupo de Laudo Natel e das ambições de Paulo Maluf. Pois bem. Certa tarde, estando eu no gabinete de Rafael Baldacci, eis que ele recebe um telefonema de Brasília, todos ansiosos para saber a decisão dos militares a respeito da concessão de outro canal de tevê. E a notícia chegou: o “Jornal do Brasil” fora novamente preterido e o escolhido fora ninguém mais, ninguém menos do que um popular apresentador de televisão, de nome Silvio Santos. A alegação do governo, conforme ouvi naquela tarde: “Silvio Santos é mais dócil ao governo militar do que o Jornal do Brasil.” Assim nasceu o SBT.

O “Jornal do Brasil” tem uma história gloriosa na imprensa brasileira, inclusive na completa renovação e reformulação do próprio jornalismo. Grandes nomes, notáveis intelectuais, escritores de alto gabarito passaram por aquela casa e assinaram suas páginas. Ler o “Jornal do Brasil”, saber de sua opinião, era indispensável. Até que a queda, antes lenta, se tornou acelerada e a visão apenas comercial de seus novos dirigentes o transformaram num veículo que viveu de sua história e da memória. Por isso, não acredito tenha morrido agora. Estava morto. Agora, o que está acontecendo é a sua opção forçada – mas inteligente – para mergulhar a fundo no mundo digital. E isso pode significar que, antes de morte, seja uma ressurreição, pois as transformações são cada vez mais revolucionárias e o otimismo sobre a sobrevivência dos jornais impressos se confunde, muitas vezes, com o tal do “pior cego”, o que “não quer ver”.

A comunicação eletrônica chegou como realidade indiscutível. E está mudando tudo. O livro, jornais impressos, a escola, a vida doméstica, tudo está se transformando de maneira acelerada. Até recentemente, desconfiava-se do sucesso do telefone celular, alegando-se que não chegaria ao povo. Hoje, os celulares estão presentes em todas as camadas populares, repetindo-se o que aconteceu com a televisão. O mesmo caminho está sendo celeremente acompanhado pelo computador, pela internet. A geração amante do livro e do jornal impresso – à qual pertenço – envelhece, está desaparecendo. Enquanto isso, milhões de crianças e adolescentes criam o seu universo na internet, com celulares, com aparelhos eletrônicos espantosos.

Se a linha editorial do “Jornal do Brasil” for recuperada, se a sua dignidade jornalística for reconstituída, a sua opção pelo universo digital poderá torná-lo num dos pioneiros nessa nova, rápida, concisa e interativa forma de comunicação jornalística. Muitos jornais, nos Estados Unidos e Europa, já deram fim às suas edições impressas. No Brasil, o “Jornal do Brasil” deu o pontapé inicial. Teria, o velho jornal, retomado a sua secular vocação de inovar, renovar, transformar? Dependendo de sua linha editorial, acredito que sim. Bom dia.

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