“Homem porco”

Foi num dos inevitáveis almoços dominicais, daqueles com macarronada, molho vermelho, vinho, que deveria ser a comida da “mamma” – sejam, elas, árabes, chinesas, italianas – despertando gula de sujar beiços e suspiros de satisfação. Em almoços dominicais, o bom-tom vai às favas. Pena que macarronada de uma certa mulher dita moderna – fácil de fazer, prática, rápida – não tenha graça. Parece “fast food”. Joga-se na panela macarrão, acho que parafuso, com uns pedaços de lingüiça, faz-se molho até com catchup, está pronta.

Gosto é de macarrão “à puttanesca”, pouco me importa o que digam os maliciosos com seus pensamentos lúbricos. “À puttanesca”, eu me regalo. O molho cai na camisa, corre e escorre na barriga, lambuza a cara, suja as calças. “Puttanesca” endoidece, cheiro de vida: alcaparras, anchovas, azeitona, pimenta do reino e, depois, uma boa rede de se deitar sem remorsos ou indigestões. Piracicabano da gema oferece, para prevenir indisposições estomacais a gengibirra do Orlando. Pois bom anfitrião sabe: “Gengibirra é bom pra arrotá.” Coisa fina.

De repente, sem ninguém lhe perguntar, uma certa mulher obviamente mal-amada falou: “Todo homem é porco.” Temi fosse comigo. Tomei do guardanapo, limpei os lábios, gesto de “monsieur”. Ora, eu estava ainda na saladinha leve, folhas de alface. Que sujeira, bolas, eu tinha feito? Porco, quem? Pigarreei suavemente: “Você generalizou. Nem todo homem é porco.” Então, uma outra mal-amada saiu em defesa da mal-amada anterior, fulminando-me com um olhar sem vida: “Ela tem razão: todo homem é porco.”

Tive receio de reagir. Manchado de macarrão eu não estava, tinha certeza de não estar cheirando a suor, as unhas mostravam-se cortadinhas, barba feita, escanhoado. Por quê, então, incluir-me no rol de homens porcos? E por quê, caramba, todo homem é porco, tem que ser porco?

Tomei coragem, quis reagir. Mas, de repente, a afirmação das duas mal-amadas, de tão convincente, trouxe-me dolorosas dúvidas socráticas. Do porco, fui a Sócrates, logo em seguida a Aristóteles, à lógica aristotélica, silogismos, longas discussões medievas, premissas universais, a zorra toda. Lembrei-me do silogismo básico: “Todos os homens são mortais. Ora, Sócrates é homem. Logo, Sócrates é mortal.” Gelei. Era o que as mal-amadas haviam dito: “Todo homem é porco. Você é homem. Logo, você é porco.” Senti-me atingido no estômago da alma. E no fígado dela.

Entristeci. Tomei um gole de gengibirra e, para provar não ser porco, prendi o arroto. No segundo gole, minha cabeça começou a funcionar e vi-me ainda mais infeliz. Pois tentei um outro raciocínio, uma lógica que, mesmo capenga, me salvasse a dignidade masculina. Pensei mas deu errado, vejam: “Todo homem é porco. Mas eu não sou porco. Logo, não sou homem.” Ou, pior ainda: “Todo homem é porco. Mas eu não sou homem. Logo, não sou porco.”

Fiquei, a partir de então, com uma atroz dúvida shakespeariana: se sou homem, sou porco; se não sou porco, não sou homem. Quem sou eu? Preciso conversar com o pessoal dos movimentos unissex. Bom dia.

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