Idosos e medo de tevê.

Uma das surpreendentes graças sobre mim derramadas foi a descoberta de que, pela observação, sabe-se e conhece-se mais do que ficar estático nas academias ou apenas absorto nos livros. A ciência humana nasce da observação. E o princípio da sabedoria começa, também, por ela. Vai daí que os verdadeiros sábios mantiveram-se afastados, recolhidos, em seu pequeno universo a partir do qual começaram a entender o mais amplo.

Outro dia, ouvi de um jovem o desabafo que lhe parecia algo definitivo: queria recolher-se, ficar parado, cansado e massacrado pela correria de todos, pela velocidade das coisas. Ele cansara, ainda nos seus 30 anos. Parecia um velocista que, em meio à maratona, não tinha mais forças para continuar. E, pior ainda, não sabia porque aceitara participar da corrida. Não se lembrava mais do ponto de partida e nem tinha ideia de qual seria o ponto de chegada. Não sabia, pois, de onde saíra, para onde ia e nem para onde voltar.

Aprendi a observar. Minha mulher me diz que sou observador e que tenho percepções desde a infância. Pode ser, mas isso pouco importa. Quem sonhou em ser escritor – ou que almeja uma forma de arte – é observador, pois cria a partir daquilo que viu, que observou. Assim são os personagens do romancista, assim é a obra do pintor, assim é a composição do músico.

E a observação se torna fundamental quando, antes de se voltar para o exterior, a pessoa se observa a si mesma, a partir de seu mais fundo interior. É a difícil, angustiante mas libertadora viagem por dentro de si mesmo. É viagem que nunca termina. E que, quando iniciada, não tem mais fim. Pois se vai penetrando em meandros intrincados, abrindo-se uma portinhola que induz a outra, esta a mais outra, labirintos que desafiam descobertas, saídas e retornos.

Pois bem. Comecei, nos últimos anos, a me observar em relação a programas de televisão. Em minha casa, ela só é ligada à noite, exceção feita a programas especiais, o futebol, um acontecimento inesperado. À noite, não abro mão de ver um bom filme, quando há um filme bom, apaixonado que sou por cinema. Mas comecei a perceber – hipertenso crônico que sou – as mudanças que ocorriam em mim a partir de noticiários de televisão. Pois, vendo-os, ia sentindo-me, a pouco e pouco, cada vez mais tenso, irritadiço, inquieto, ansioso. Sons de fuzis, de bombas, acidentes, mortes, tragédias, os gritos dos noticiaristas, os berros da propaganda nos intervalos – e jamais serei cliente das Casas Bahia, em protesto aos seus comerciais histéricos – a violência. Noticiários me alteravam a pressão arterial e aumentavam meus batimentos cardíacos. Por questão de saúde, pois, desisti de vê-los.

Pensei fosse problema apenas meu. No entanto, há algum tempo, fazendo uma visita a amigos, um fato me levou a refletir sobre algo mais profundo. A televisão é máquina de horror, de terror, de terrorismo moral. Pois, na sala ao lado de onde conversávamos, estavam os velhos pais de meus amigos. Começamos a ouvir quase que gemidos, a televisão ligada. Então, meu amigo deu quase que um salto e se dirigiu à sala de tevê, desligando o aparelho. Desculpou-se ao voltar: “Eu me esqueci. Meus pais têm medo do noticiário da televisão. Eles pensam que as bombas vão entrar em casa, que os tiros da polícia e dos bandidos podem atingi-los. Preciso desligar para que eles não se desesperem.”

Que os malucos dos tempos atuais – suicidas em sua correria sem sentido, estúpida corrida em busca do nada – usem um mínimo de inteligência para – quem sabe? – tentar entender ou lembrar que o terror e o medo são as mais poderosas formas de dominação. Há, na televisão e na economia capitalista, o domínio pelo medo, pelo terror, pela insegurança. E estão conseguindo vencer. Pois, sem fazer força, estão conseguindo criar multidões de escravos dos meios de comunicação, vítimas das mentiras consentidas. Essa foi a técnica terrível que manteve vivo o fascismo em suas mais diversificadas formas, inclusive a nazista. Agora, é um fascismo aprimorado e mais sutil. Bom dia.

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