O exílio de cada um

pictureSemanas Santas fazem-me ainda mais nostálgico, como que distante de um lugar nunca mais reencontrado, saudade esquisita, sensação de perda, como se roubado em um tesouro pessoal. Elas agravam-me as perplexidades e sinto-me confuso, não sei se barrado no grande baile, se incapaz de divertir-me diante do caos. Pareço estar entre o abismo e a aridez dos desertos. Ou solto nas corredeiras sem âncoras para me agarrar. Há ou não uma Semana Santa? Tem ou não, ela, algum sentido? Em dúvidas e céptico, vejo-me ausente, exilado, andarilho em terras desconhecidas. É mais doloroso o exílio da alma do que o desterro físico.

Em cada Semana Santa, afloram-me lembranças, recordações, nem todas elas boas, nem todas más, mas marcantes. Sinto-me a mercê de forças como que vindas das entranhas dos tempos. Nunca sei se elas me paralisam racionalismos, se me atiçam sentimentos. Emergem, então, os conflitos: fujo às liturgias mas vejo-me hipnotizado por elas. Sei tratar-se de ritos, de cerimoniais, heranças ancestrais que buscam valorizar a vida através de rituais repletos de significados e de simbolismos. Sem eles, não é possível estabelecer relações com aquilo que se não entende.

Desde o início dos tempos, o rito busca recapitular uma herança guardada na memória, repetindo-a, imitando-a, buscando harmonizar o conflito entre o humano e, digamos, o sobre-humano, o limitado da terra com o infinito de céus e infernos. Criaram-se ritos para quase tudo: o nascimento, a morte, a procriação, a colheita, a guerra, a celebração da paz. Há ritos na alegria e no júbilo, ritos na dor, ritos primaciais, ritos de passagem, ritos até mesmo nos cotidianos prosaicos. Nossos batizados atuais, casamentos, velórios são cerimônias ritualísticas. E a Semana Santa, que maremotos a levaram?

Lembro-me da narrativa em que um mestre judeu e um líder católico conversavam. O rabino desabafou: “Dói falar em Deus na terceira pessoa”. Pois ele sentia-se deificado, a certeza de, nele próprio, estar o seu deus. O católico discordou, insistindo na “face oculta de Deus”. O judeu não discutiu, balbuciando: “Cada um deve sair de seu Exílio à sua própria maneira”.

Quanto a mim, não sei como sair do meu, num silêncio talvez estéril de Semana Santa, recolhimento de quem não sabe para onde ir, espectador que assiste ao ritual sem saber do que se trata. Sinto-me encaixado no episódio contado por Joseph Campbel , o do religioso hindu, venerador de Vishnu, que viajara ao Ocidente para estudar os livros cristãos. Depois de seis meses de ler e estudar, concluiu o sábio oriental: “Li, li, mas não consegui encontrar nenhuma religião no livro.”

Talvez, esta semana seja oportunidade para refletir na lição dos japoneses em relação aos estágios da vida do homem: “Aos dez anos, um animal; aos vinte, um lunático; aos trinta, um fracasso; aos quarenta, uma fraude; aos cinqüenta, um criminoso.” Os instintos infantis, os sonhos do jovem, as derrotas na vida, as mentiras e farsas na maturidade e, enfim, uma existência de violações e desrespeitos.

Mas a sabedoria oriental fala de esperança se o homem ultrapassar os cinqüenta anos: aos sessenta, será conselheiro dos amigos; aos setenta – reinterpretando o que viveu – fará silêncio e, então, será considerado sábio. Poderá, então, chegar-lhe o momento da paz, permanecendo no lugarzinho que conquistou. Um eterno retorno do homem à sua infância. É outra Semana Santa. Para sair do exílio. E bom dia.

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