Justiça, justos e injustos

Esse texto foi publicado em 21 de setembro de 1979 em O Diário. E depois selecionado para o livro Bom Dia: Crônicas de Autoexílio e Prisão, lançado em 2014

De repente, foi como se uma montanha de iniquidades desabasse sobre minha cabeça. Perfídias, traições, punhaladas, injustiças. E então, tive consciência de que a teoria, na prática, é mesmo outra. Pois, ao invés de reagir e de tentar compreendê-las — rebelei-me, — tentado mesmo pela prostração tão inesperada e as sensações e gratuitas e angustiantes de desânimo. Tive – ora, vejam só! — pena de mim mesmo. Ao invés de acender a vela, fiquei lamentando a escuridão, condoendo-me de mim como se eu fosse o grande justo contra o qual os percalços da vida e as armadilhas dos homens não pudessem atingir.

Havia, antes e muitas vezes, repetido, a homens que precisavam de conforto, uma frase significativa: “Dai-nos forças, Senhor, para suportar o que não compreendemos.” Não fiz uso dela para mim mesmo, indignando-me, quase chegando à beira da revolta, na reação imatura de quem não admite o dissabor e a injustiça. Minha mulher foi quem me abriu os olhos: “Será que você nunca cometeu nenhuma injustiça para estar lamentando-se tanto?”

Foi como se levasse uma pancada na nuca. Sim, cometi injustiças, mesmo quando me preocupei em não cometê-las. Causei dissabores. Tive e tenho culpas, e mesmo tentando e querendo redimir-me delas, a verdade é que elas produziram o seu efeito. Tenho procurado recolher muitas das pedras que atirei. Ora, sei que isso é um bem. Mas as pedras foram atiradas. Feri, ora, se feri, por que não posso ser ferido? Se magoei, por que não posso ser magoado? De pouco adianta a fé se, no momento de provação, não se apega a ela. De que adianta dizer de esperança se, no instante do ferimento, dão-se as costas para ela? Esqueci-me, na verdade, de tudo, cego de mágoa, de dor, de desilusão. Não lembrei sequer de minha precariedade de ser humano, da circunstancialidade do tempo e do espaço. Não tive sequer a humildade para me lembrar de que, como todos, sou vulnerável.

Foi, por isso, uma das mais amargas lições de minha vida, amarga, mas também, reconfortante pela experiência: a de me ver compelido a enfrentar o imponderável, o imprevisível, o injusto, o imprevisto. A de ser nocauteado pelas costas e de, no entanto, conseguir, antes de o gongo soar, erguer a cabeça, sair da prostração. Fui, na verdade, desafiado nos mais importantes valores em que tenho acreditado. Cambaleei. Fraquejei. Senti-me esmorecer. Acabei, porém, aprendendo outra grande lição da vida: quem não é plenamente justo não pode exigir a justiça plena.

A vida é fantástica também pelas lições que ensina. Quando se pensa estar forte, é que se fraqueja, Quando o homem se sente protegido, é raio o atinge. Quando julga estar crendo, é que duvida. Incrível! Como ser tão frágil o humano e, ao mesmo tempo, julgar-se senhor do universo. Bom dia.

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