Outro Outono com Campbell

OutonoA cada Outono penso em Campbell e no júbilo do mundo. Emocionei-me, há alguns poucos anos, com a celebração, em pleno Outono, do centenário de Joseph Campbell, uma das alma e inteligência mais iluminadas que a humanidade produziu. E ele está mais vivo do que nunca, tão próximo e presente como, talvez, não o estivera em vida. Com Campbell, mais fácil se tornou entender-se a si mesmo e a presença do homem no mundo. E mais bonito. O mito retornou ao altar e escapou à sombra da superstição. E mortos e vivos, princípio e fim, passado e presente – como no milagre da comunhão – amalgamaram-se.

E, agora, retornou o Outono, ainda indefinido. E lembra, ainda outra vez, Campbell, com quem se aprende a viver ao ritmo da natureza, das coisas nascidas antes de nós e da razão, nesse castigo eterno de tentar enquadrar o que existe. A razão, quando explica, vive a ousadia de tentar alterar o que não precisa do humano para ser. A sabedoria do ritmo da natureza é lição de viver. Animais, bichos, aves, peixes, árvores, plantas, flores, rios e mares e oceanos sabem disso. Sol e Lua também. Cada estação é um momento do cosmo propondo lições de viver ao ser humano. É um ritmo universal do qual apenas o homem tenta isolar-se.

Penso no Outono que chegou e tento tornar-me ainda mais íntimo de Campbell porque – no isolamento para observar as coisas e aprender com elas – consigo ver mais do que coincidências. Esse ritmo universal, cantou-o e revelou-no-lo Campbell, resgatando mil culturas, mil civilizações, os primórdios humanos, quando Oriente e Ocidente tinham a intuição do sagrado. Cada estação é um tempo. E, tanto assim, que os antigos nos diziam de Primavera, Verão, Outono e Inverno como tempos, respectivamente, de nascimento, formação, maturidade e declínio. Daí, a Primavera da vida, toda florida e luminosa; o Verão, apolíneo; o Outono da vida, tempo de ficar, de aquietar-se, de beber o vinho da colheita e o Inverno da existência, o declínio, do deus coxo, cansado, mas conhecedor do fogo e da água, o ser fogoso transformado em apóstolo inspirado antes da chegada do fim.

Ainda recentemente, ouvi de um intelectual algo que estaria inquietando os estudiosos do mundo globalizado: o “acolchoamento”. Isso significaria que as pessoas, diante de tanta violência e pressões, estariam “acolchoando-se” em seus cantinhos, aquietando-se, como se criassem mundos próprios e particulares. Prometeram-nos a aldeia global, ela está aí, os meios de comunicação encurtaram tempo e espaço, destruíram deuses, criaram novos ícones. Mas se esqueceram da caverna. Que ainda existe nos sonhos de cada um de nós, a caverna como lar, como lareira, como raiz, como seiva e semente. Ninguém vive no mundo, por mais global ele seja. O homem vive em seu canto, na busca de formar comunidades, de comunhão, o lugar para onde os filhos retornam da grande caminhada, onde os velhos ficam, como Penélope à espera do amado, tecendo a lã. Piracicaba também se esqueceu disso.

Outono, no ritmo universal, é esse tempo de ficar. Mas com alegria. Até entre os cristãos, a lebre é o símbolo que o representa: aquela que é prolífica e que, por isso, representa a renovação da vida. A imagem é bonita: Outono, tempo das frutas, da parreira e das uvas, de Baco e de Dionísio – lá chega a lebre para devorar um cacho de uvas. Significado: no Outono, após uma vida bem sucedida, o ser humano repousa para saborear os frutos da vida. Antes que o Inverno chegue e traga o declínio para, então, tudo recomeçar.

Os meninos que amam “O Senhor dos Anéis” deveriam, nesse Outono, reverenciar Campbell. Pois os elfos que encantam o mundo tecnológico são os mesmos que Campbell fez ressuscitar da fundura dos tempos. Bom dia.

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