Palavras, palavras, palavras…

E ainda há quem me pergunte a razão de eu não reler coisas que já escrevi. Ora, a resposta é simples: não o faço por vergonha. As palavras são misteriosas demais. Acho que mais sagradas do que os números. Ora, se estes, os números, dizem ser um meio essencial para conhecer-se o mundo – como haveria números sem as palavras? São elas que dão nome às coisas. A palavra é o Verbo. E é o Logos. Por isso, amedronta.

A palavra separa e une; bendiz e amaldiçoa; evoca e expulsa. Quando se pensa signifique isso, significa aquilo. Já contei de quando perdi não sei se um grande amor, se uma grande amizade, por uma simples palavra: talento. Numa conversa, falei ser preciso talento para dialogar com jovens, talento como dom, como aptidão. E a mulher se magoou: “Você me chamou de incompetente. ” Discordei: “Falei de talento.” Ela insistiu: “Falou de incapacidade.” Tudo desandou, mágoas ficaram, foi impossível reconstruir. Palavras também separam.

Num livro que considero monumental, “As palavras no tempo”, Domenico De Mais – com Dunia Depe – analisa palavras com os seus significados na “Encyclopédie”. A tentativa é de mostrar quais os conceitos delas, há mais de 250 anos – para Diderot, d´Alembert, Voltaire “et allii” – na “Encyclopédie” e o que significam hoje. A mobilidade é assustadora. E não tenho dúvidas de aqueles sábios, se mantidas algumas das suas definições, viessem a ser, hoje, linchados em praça pública. Especialmente quanto aos conceitos de homem e de mulher.

Na “Encyclopédie”, os humanistas identificavam o homem, em sentido geral, como “ser humano”. E a mulher, apenas como “fêmea do homem”. E este era o ser “pensante, reflexivo, que caminha livremente sobre a face da terra.” Ora, se mulher era a “fêmea do homem”, deveria supor-se fosse, o homem , o “macho da fêmea”. Nem tanto. Fêmea era, apenas, o “correlativo ou oposto do macho”. E, por macho, entendia-se “o sexo do homem na espécie humana”. E se Voltaire, D´Alembert e todos eles escrevessem isso hoje?

O Henry Ford, como se sabe, virou, por muito tempo, sinônimo de automóvel. O “fordeco”, também. Monsieur Gilette, de lâmina de barbear. E, pelo menos até quando o Vicente Matheus – glorioso e divertido presidente do Corinthians – estava vivo, a Brahma era a própria cerveja. Tanto assim que, grato por uma doação da Antarctica, o Vicente Matheus, falou: “Agradeço à Antarctica pelas brahmas que mandou para o Corinthians”.

Lembro-me de, certa vez, durante um jogo de futebol, o comentarista de tevê, elogiando dois jovens jogadores, contar que um deles tinha sido gari e o outro, gandula. O repórter de campo retrucou, dizendo ter havido confusão: que o gandula é que fora gari; e que o gari tinha sido gandula. A conversa entre comentarista e repórter pareceu conversa de pinel. E eis aí: gandula, gari, pinel – quem diria tratar-se de nomes de pessoas?

Pois é assim, assim é: Philippe Pinel, tido como o pai da psquiatria, iniciador do tratamento médico da loucura, nome dado a hospitais; o nosso gari é referência a Aleixo Gary, empresário de coleta do lixo no Rio de Janeiro no século XIX. E os gandulas – quem diria? – homenageiam o jogador de futebol argentino, Bernardo José Gandulla, que, por delicadeza ou por ser reserva, apanhava bolas fora do campo, devolvendo-as.

Qual o interesse disso? Nenhum. É que alguém me perguntou se eu sei a origem da expressão “no tempo do Zagaia” e quem foi o Zagaia. Não sei. Então, para me safar, escrevi sobre gandula, gari e pinel. Pode ter valia para nós, amantes da cultura inútil e fazedores de palavras cruzadas. Bom dia.

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