Poetisas

A Marisa Bueloni levantou, novamente, a questão do feminino de poeta. Nunca entendi certa implicância em relação à palavra poetisa, a mulher que faz poesia, que tem o “sentir poético”. Mais do que o poeta, acho que poetisa, a palavra, explica com mais nobreza a própria poesia, a arte e o dom de fazê-la. Convenhamos: não há mais beleza em poetizar do que poetar? Mas é impressão minha, que sou do tempo em que escritores que compunham poesia eram poetas. E poetisas, as escritoras com suas composições. Logo, havia poeta, o homem, e poetisa, a mulher. E eu acho mágico dizer, por exemplo – como eu o fazia com a saudosa Maria Cecília Bonachella – que a própria Marisa é uma das mais inspiradas de nossas poetisas. Se eu escrevesse que Marisa é poeta, ficaria, para mim, sem graça.

Mas são coisas dos tempos e, também, da mutabilidade da língua. Ou até de ideologia, não sei. Por isso, perdoem-me, poetas de ambos os sexos, mas eu quero chamar a Marisa, a Eloah, todas as nossas inspiradas construtoras da poesia apenas de poetisas, nossas poetisas. Parece-me mais verdadeiro e, ao mesmo tempo, mais gracioso. A mulher e a poesia têm, em si mesmas, suavidades diferenciadas e estas parecem existir e sobreviver na palavra poetisa, de ciciante sonoridade. Não seria horrível se lembrássemos, por exemplo, de Sissi não como imperatriz, mas como imperador? E quem arriscaria chamar de escritor a notável Adélia Prado. Feminino e masculino existem exatamente porque, pelo menos por enquanto, ainda há homem e mulher.

E olhem que dizem, por aí, ser, eu, avesso à poesia, como se possível fosse alhear-se a essa que é, talvez, uma das maiores dimensões da alma humana. Sou avesso a maus poetas e não suporto a má poesia. Poesia é dom especial, especialíssimo. E está oculto no mais sagrado do ser humano, vindo-nos lá das lonjuras da Antigüidade. E são raros os eleitos.

Falar em poesia é falar em musa. E a musa poetisa como que rima com a própria poesia. Vejam que, não por simples coincidência, as musas são mulheres na amplitude do significado da palavra, incluindo o mitológico. Ora, o museu, conforme o significado que lhe deram os gregos, é exatamente o “lugar das musas”, onde o belo se amalgama através das palavras: poesias e poetisa, musa e música. Tão belo era tudo isso no mundo helênico que museus, além do “lugar das musas”, era, também, o “lugar onde alguém se adestra nas artes”. Tudo se envolve em véus diáfanos: museu, musas, música, poesia, poetisa.

Piracicaba sempre foi cidade especial, esse Ateneu onde surgiram poetas natos, pretendentes a poetas, entusiastas da poesia, amadores dela, artistas refinados, poetastros. A arte é dom e, quando se tem “lugar onde se adestrar nela”, é como o fiel encontrar seu lugar de oração. Ora, eu não saberia dizer quantos foram os verdadeiros e bons poetas que “se adestraram” nas páginas de nossos jornais, em colunas que existem há décadas. Sei, porém, haver poetas e poetisas inspiradíssimos, ao lado dos que tentam ou dos que pensam ser.

Discuti muitas vezes com João Chiarini por seus excessos de generosidade. Vendo os rabiscos de um pretendente a pintor, ele dizia: “Você é um novo Picasso.” Ou um novo Fernando Pessoa, ao jovem poeta. Ou um outro Jorge Amado, ao romancista. Eu discordava do João, acreditando que ele estimulava, algumas vezes, os que não tinham talento. Foi quando ele me explicou: “Jovens precisam de estímulo, de espaço. Se tiverem talento e vontade, irão em frente. Se não o tiverem, ficarão no meio do caminho.”

Quando A Província abriu espaço para a poesia, quisemos fazer o que já fazíamos no velho e falecido O Diário: “lugar de adestrar-se na arte da poesia”. Poetas e poetisas aí estão, outros poderão surgir. A vocação, somada ao talento, se impõe. Se não houver o dom, resta o vazio. Bom dia.

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