Por que Chico seria imutável?

Chico BuarqueUma das grandes dúvidas de minha vida – que ainda permanece – é a respeito da inteligência e da estultícia do ser humano. Até hoje, não sei se admiro, no homem, a sua incrível capacidade de criação, a potencialidade quase inesgotável de sua inteligência. Ou a sua também quase total burrice.

Há, atualmente, verdadeira avalancha de protestos contra o posicionamento de chamados “ídolos da música popular brasileira” – em especial, quanto a Chico Buarque – em relação ao debate das autobiografias livres ou autorizadas. O que está em discussão é o conflito entre liberdade de expressão e direito à privacidade. Os mais interessados nessa total liberdade são as editoras para as quais lá pouco interessa a verdade dos fatos, pois que sangue, sexo e escândalos são o manjar com que se deliciam os que pertencem à outra face da humanidade, os estultos e burros.

Essa discussão é muito mais complexa do que essa superficialidade com que se mostra nos veículos de comunicação, rápidos, velozes, epidérmicos. Mas não serei eu quem irá reforçar, aqui, essa discussão que se apresenta com fundamentos congelados, generalizantes, superficiais. Como discutir algo que exige verdadeiro escarafunchamento da filosofia, se está em frangalhos a ordem moral? Ora, a banalidade, a superficialidade são os mais fortes elementos de uma sociedade em decadência.

Insistem, os analistas superficiais, que a má notícia, que a informação de má fé, que o sadismo para difamar, caluniar permite, legalmente, o direito de defesa. Mas ninguém se lembra do saco de penas. Como recuperar pena por pena, depois que todas elas foram levadas pelo vento? A retratação nem sempre faz justiça a quem foi caluniado ou difamado. Mas, fico por aqui, que essa questão não é para coluna de jornal e, sim, para alguns compêndios de ética e filosofia moral.

Fico pensando num dos protestos mais absurdos que se fazem: “Chico não é mais o mesmo. Chico mudou.” Ora, meu Deus! A estupidez seria se Chico Buarque de Hollanda – agora aos 70 anos – não tivesse mudado, comportando-se e pensando e agindo como nos seus revolucionários 20 anos. O grande educador Gilberto Amado – em pleno fervilhar do golpe militar – pedia paciência aos truculentos de coturno e explicava: “Jovem – que não for comunista – é um canalha. Adulto comunista é um tolo.”

Mudança é movimento. As plantas mudam, a cada estação do ano. As pedras mudam, sob o fustigar da chuva e do vento. As marés mudam. A Lua muda. Os animais mudam. E o ser humano também muda, em todos os aspectos e em todo o seu próprio ser, espiritual e material. Digo-o por mim: mudei muito e muitas vezes, continuo mudando. O que não pode mudar são as raízes, que, mortas, fazem desaparecer todo o resto.

É óbvio que Chico Buarque – assim como Caetano, como Milton – mudou. O único, parece, que continua o mesmo é Roberto Carlos. Lastimável é o ser imutável, que se repete sempre, que vive o presente como se fosse um eterno passado. Chico mudou, o Brasil mudou, o mundo mudou. A vida são mudanças, “Deo Gratias”. Se para melhor, se para pior – isso é outra coisa. E, aqui entre nós: se Chico mudou, se pensa diferentemente do que antes – qual é o problema? Ou para ele não vale a liberdade de expressão? Continuo com a dúvida: é mais poderosa a inteligência ou a burrice humanas?

Será, porém, que eles próprios sabem que mudaram? Esse, talvez, seja o maior problema: mudarem e se considerarem os mesmos. No entanto,  sinto que “há algo de podre no Reino da Dinamarca”, que pena! Bom dia.

1 comentário

  1. Luiz Miquilini Ferraz de Arruda em 28/10/2013 às 21:34

    É Cecílio… deve mesmo haver algo de podre… o mesmo Shakespeare, em Hamlet, invoca dúvida na tragédia: “Porque o Todo-Poderoso fixou suas leis contra o suicídio”… e complementa: “É melhor ter um epitáfio ruim do que a maledicência durante a vida.”
    Talvez seja melhor lembrar a célebre frase de despedida do João Figueiredo: “Me esqueçam”.
    Pode ser que a literatura esqueça de todos os cantores-poetas, extraordinários mutantes, não caia mais no ENEM, mas, ainda assim vamos cantarola-los em rodinhas de samba nos bares da vida.

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