“In Extremis” (194) – Presente de Natal: viver

goutham-krishna-h5wvMCdOV3w-unsplash

(imagem: Goutham Krishna / Unsplash)

Não consigo, ainda agora, entender o que aconteceu. Se foi sonho; se rebelião do inconsciente. Ou se um e outro são da mesma natureza. O fato é que, ao despertar, não mais me senti o mesmo. Vi-me liberto, como se estivesse mandando às favas todas as condicionantes que aprisionam o “eu” verdadeiro. Na realidade, a sensação de infância, a alegria de nada saber e, ao mesmo tempo, a curiosidade de querer aprender. Pois, pareceu-me ter desaprendido quase tudo, uma limpeza cultural, intelectual, a vivificante sensação – ou certeza, ou esperança – de recomeçar. Novamente e enfim, um estudante. Com vontade intensa, porém, de ser estudante estudioso. Aconteceu.

Uma das tantas dúvidas acredito tê-la resolvido: seria, no ser humano, maior a inteligência ou a estupidez? Acredito, por fim, seja a inteligência. No entanto, acabamos sendo vítimas da razão, de conceitos, de leis, de dogmas. Ora, a razão é condicionada por muitas causas, inclusive a cultura, a tradição. A inteligência – na qual a intuição é a pedra angular – consegue estabelecer a resposta mais adequada. Acabei por admitir – talvez, até por conveniência própria – que o aprendizado está na voz do coração. E a sabedoria, pois, em saber ouvi-la.

Temos vivido o espírito de Natal alegrando-nos em dar presentes. A pessoas queridas, amigos, familiares, vizinhos. Ora, banhado por uma pacificadora sensação de leveza de alma, pergunto-me: por que não nos darmos presentes para nós mesmos? Por que não um Natal em que cada um se presenteie a si próprio? Pois sou movido pela certeza de a Vida ser uma graça, um dom, uma bênção, privilégio. Se não creio em predestinação – pois isso seria negar a minha liberdade pessoal, o direito de escolher e de ser responsável pela escolha feita – creio profundamente no desejo daquele espermatozoide em lutar para fecundar o óvulo que me tornou candidato a viver no mundo. Não foi por acaso. Aquele espermatozoide competiu com cerca de outros 500 milhões deles para ser o vencedor. Logo, sou fruto de um espermatozoide vencedor. E, portanto, nasci com a responsabilidade de ser digno da vida que me foi dada por conquista.

E eis, então, o grande desafio em que acredito: ser digno da vida. E romper com invencionices que apenas dificultam a aventura de viver. Por exemplo: que este é um “vale de lágrimas”. Não é. Este é o jardim, aquele em que o Criador preparou para suas crianças amadas – nós, humanos – serem participantes do milagre do Universo. É o Monte Carmelo, o monte do jardim ao qual devemos chegar de passo em passo, com suas dificuldades e obstáculos. É tolice, pois, querer viver por viver ou acreditar nisso. Vivemos para viver. E esse é o privilégio dado a cada um.

Estou dando-me o meu presente de Natal que nada mais é do que gratidão por ser parte dessa magia que é a Criação. São, segundo os cientistas, dois septilhões de estrelas compondo o universo. A Terra é apenas um grãozinho de areia entre elas. E abriga oito biliões de terranos. Pois bem:  na simplicidade do que sou, estou nesse milagre. Sou, também, um dos 215 milhões de brasileiros. Sou um dos 420 mil piracicabanos. Um apenas. Apenas um. Mas sou. E estou.

Meu presente de Natal – que, pois, me dou a mim mesmo – é fortalecer-me a consciência pelo privilégio dessa aventura inimitável que é ter nascido. E render graças. E aguardar que, por mais algum tempo, possa, eu, ficar por aqui vendo as maravilhas da natureza, ouvindo a sinfonia da vida, convivendo com o milagre e o mistério de cada dia. Viver no jardim dá trabalho. Mas é privilégio.  “Deo gratias”.

Para acompanhar outras crônicas desta série, acesse a TAG “In Extremis”.

Deixe uma resposta