Quando o amor morre

picture (81)É horrível ser obrigado a confessar, mas tenho que reconhecer a minha volubilidade. Não consigo viver amores eternos, ligações indissolúveis. Tem-se tornado até banal, de tão repetitiva, mas é verdadeira a lição de Vinicius, o “Poetinha”, da eternidade do amor enquanto dure. Pelo menos para mim. E lá fiquei eu olhando tristonhamente para aquele amor que se acabara, um amor de mais de 50 anos. Vi-a a meu lado, silenciosa como sempre, mas fiel e leal, companheira de todas as minhas angústias e sofrimentos, de alegrias e realizações.

Ninguém, mais do que ela, me conheceu no mais fundo de minha intimidade. Fiz-lhe todas as revelações, as de que eu tinha consciência e as que brotaram dos escondidos de minha alma. Ela foi a primeira a saber, ao longo de 50 anos, de todas as minhas emoções e sentimentos, viu-me rir e chorar, acompanhou-me em minha solidão, ao longo de madrugadas intermináveis. Eu tinha 14 anos, um adolescente, quando ela entrou em minha vida. E não me deixou mais. Agora, fui eu que a deixei, que a abandonei, ainda que olhando, para ela, com carinho e ternura, com gratidão. Mas o amor acabou, terminou.

Ficaram lembranças, inesquecíveis mas insuficientes para eu mantê-la a meu lado, para tê-la comigo. “Aconteceu um outro amor…” — era assim que começava uma canção de Caimmy, cantada pelo Dick Farney. “…que não podia acontecer. “– continuava a canção. Pois foi isso o que ocorreu, um outro amor e sinto que ele não deveria ter acontecido. Que importância tem saber a causa das coisas? Elas acontecem, basta que aconteçam. Confesso que relutei, que relutei muito. Ora, se eu estava feliz, por que procurar chifre em cabeça de cavalo? Por isso, resisti. Mas fui derrotado. Apaixonei-me. Aconteceu pouco e pouco, devagarinho. Um olhar aqui, outro ali, um toque de mão, uma caricia, arriscar de toques mais ousados. E, finalmente, a constatação de que o novo amor acontecera. Agora, que fazer? Olhei para ela e pedi desculpas: “Querida, não a estou abandonando. Você sabe quanto ainda a amo, quanto lhe sou grato. Mas está na hora de você descansar. O tempo passa, tudo muda. O amor também muda.”

Por estranho seja, ela pareceu compreender. Ficou silenciosa em seu canto e era como se me olhasse aprovativa mente. Beijei a ponta de dedos e acariciei-a, minha velha maquina de escreve minha Olivetti de mais de 50 anos, companheira inesquecível. Não tive culpa. Tornei-me apaixonado por note-books, computadores, maquininhas irresistíveis. Entrei, faz tempo, em nova era. Dei adeus à minha Olivetti querida, mas não a esqueci, não me esquecerei dela, ainda hoje quietinha em seu canto. Sei que ela, em seu silêncio, poderá até me chamar de volúvel. Mas assim é a vida, assim sou eu. E bom dia.

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