Riscos na Rua do Porto

Enchentes do rio, inundando a Rua do Porto, chegaram a ser uma quase poética tradição de Piracicaba. Era uma tal beleza trágica que o bem e o mal pareciam unidos num mesmo fenômeno natural que, trazendo desespero para muitos, arrebatava como espetáculo também humano. Pois os moradores da rua, pescadores e seus familiares, negavam-se a sair, como se o rio, como entidade por assim dizer sagrada, não lhes desse autorização para abandonar suas águas.

Há fotos de grande beleza plástica mostrando a fúria e a devastação causada pelo rio. São moradores dormindo em seus botes, dentro de suas casinhas; crianças agarradas a boias, cenas ao mesmo tempo dramáticas mas pungentes em sua trágica poesia. Ver o rio crescer e suas águas inundando a Rua do Porto foi parte de um verdadeiro espetáculo turístico e de entretenimento. Os próprios moradores da Rua do Porto, apesar de seus dramas familiares e de prejuízos, encantavam-se com as enchentes, como se fossem bênçãos do deus adormecido sob as águas. Ou o ressuscitar da Nova que, segundo a lenda, está insepulta no leito do rio, vindo à tona quando as águas sobem.

Tragédia e beleza sempre foram parte disso. No entanto, os tempos são outros. Em todos os sentidos. E o próprio rio é outro, na perplexidade universal diante dos gritos de uma natureza que se vai tornando cada vez mais indomável diante das loucuras humanas. Enchentes deixaram de ser simples e esporádicas enchentes,tornando-se catástrofes assustadoras que deixam rastros terríveis de mortes, de devastação, de ruínas.

O INPE – Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – passou a advertir, com sua autoridade e competência incontestáveis, para os novos perigos com que passaremos a nos defrontar mais amiúde: mais enchentes, mais deslizamentos de terras, mais devastações, diante da fúria de uma natureza colérica. Não serão mais tragédias inesperadas, mas anunciadas. As transformações climáticas se tornaram irreversíveis e novas realidades nos esperam, entre as quais o transbordamento mais constante de rios, riachos, ribeirões.

A Rua do Porto está incluída nessas áreas de risco que merecem atenções especiais. Não se trata mais de se fazer, apenas, advertências, de se darem avisos antecipados. Trata-se, agora, de se olhar para aquela histórica área de Piracicaba com carinho ainda mais especial, o carinho diante daquilo que passa a estar ameaçado. Esse olhar não pode mais ser melancolicamente paternalista como o foi em relação a pobres populações ribeirinhas, a pescadores que se tornaram apenas lembranças de uma história. Agora, há uma vasta região altamente povoada, em direção ao Bongue, Ondinhas, nos bairros que foram presenteados com benefícios ainda não explicados pelos políticos. Houve todo um projeto para favorecer condomínios, loteamentos, propriedades, empreendimentos. Que, não tendo consultado a natureza, já se mostram como verdadeiro presente de grego. As inundações serão maiores e mais constantes e já há quem, com inteligência, deva começar a pensar no “acabou-se o que era doce”. Portanto, “quem comeu arregalou-se”.

Que seja dado o sinal de alerta: a Rua do Porto, a partir de agora, é uma área de risco diante de chuvas contumazes e de inundações inevitáveis. O que fazer? Que falem os técnicos, tão ávidos em resolver dificuldades para os mais abonados. Bom dia.

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