Torcendo pela África

Em 1970, na Copa do Mundo de Futebol, outra das tantas infantilidades das esquerdas brasileiras pregou a necessidade de o povo brasileiro, para não fortalecer a ditadura do General Médici, torcer contra a Seleção Brasileira. Foi uma estupidez própria do infantilismo político, razão que aumentou a distância entre o povo e os que resistiam à ditadura.

Pouco me importei com aquela besteira e me vi – há quase 40 anos, como é possível? – amalucadamente encantado com aquela seleção cujo espetáculo de arte víamos, pela primeira vez, em cores na televisão. Foi apaixonante. E, ainda tanto tempo depois, estão registrados lances inesquecíveis: o chute de Rivelino, o passe de Pelé para Carlos Alberto, as filigranas de Clodoaldo, o gingar de bailarino de Tostão, o lançamento de Gerson para Pelé e, por fim, a bola que não entrou, quando Pelé, sem tocá-la, driblou o goleiro sem conseguir fazer o gol. Aliás, acho que os melhores gols de Pelé foram aqueles que ele não conseguiu fazer.

Nem a ditadura, portanto, conseguiu fazer com que eu torcesse contra a Seleção Brasileira. No entanto, no último jogo – Brasil e África do Sul – eis que, aos pouquinhos, um sentimento estranho começou a se me insinuar em coração e razão e me vi em conflito. Pois, acompanhando o jogo, eu via a seleção brasileira, de jogadores milionários, muitos deles pedantes, quase todos desconhecidos da torcida brasileira, desfilando pelo campo com superioridade arrogante. E, de outro lado, a garra, a alegria, a força, a luta dos jogadores africanos, que pareciam buscar uma bandeira muito mais significativa do que a Copa das Confederações. Era – ou pensei que fosse – a luta por uma identidade, a força de um povo oprimido por tantos séculos, a explosão cívica de uma nação negra que já impressiona o mundo e que tem, em Nelson Mandela e no Bispo Tutu, seus símbolos de resistência, de amor à liberdade e de fé no futuro.

A princípio, senti-me um traidor de minha Pátria, pois a seleção, como o disse Nelson Rodrigues, é a “pátria de chuteiras”. Aos poucos, porém, dei-me conta de que não era nada disso. A pátria, naquele jogo, eram os africanos que a defendiam, com uma galhardia emocionante, com verdadeira paixão cívica. Por que, então, não torcer com eles, por eles, para eles? Para os africanos, aquela conquista seria um prêmio à tenacidade, ao amor à terra, à paixão por sua história e gênese. Para a seleção brasileira, seria, apenas, um título a mais, assim mesmo nem tão significativo. Os nossos jogadores – aliás, jogadores da Europa – voltariam para seus países apenas com outra medalha. Os africanos, se vencessem, seriam premiados por uma graça especial.

O fato é que, então, me vi torcendo por e pela seleção africana, um sentimento estranho mas agradável de solidariedade, talvez até mesmo um pouco de paternalismo, sei lá. Por isso, quando Daniel Alves matou o sonho africano, não consegui vibrar. A África do Sul merecia o presente de incenso, ouro e mirra que lhe foi sonegado nos últimos instantes. Bom dia.

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