Turma da Mônica e clonagem

picture.aspxDiz-se que já somos milhões de idosos. Com os centenários de Oscar Niemeyer e a mumificação ao vivo da Dercy Gonçalves, o entusiasmo é tanto que, talvez, passemos a formar, rapidamente, a maioria da população. Mas nunca se viu – como agora e por aí – tais e tantas multidões de gente idosa.

Mas criamos problemas, os idosos. Pois já vivemos tanto e tanto que, quando contamos algumas coisas, a moçada arregala os olhos pensando ser mentira. Foi grande aventura, por exemplo, usar uma camisa vermelha embora desde os tempos de Noel Rosa houvesse quem vestisse camisa amarela, saindo por aí, tempos em que até a escola era risonha e franca. Camisa vermelha, jeans, alpargatas, cabelos compridos, rock´n roll, a pílula – isso é da minha geração. Lembro-me de meu pai, furioso: “É o fim do mundo! Aonde vamos parar?”

E é essa, ainda, a questão. Pois – repetindo meu pai – coço a cabeça e me pergunto: “É o fim do mundo! Aonde vamos parar?” E, como ninguém responde e ninguém sabe, devo admitir sejam perguntas milenares de idosos. OU mania deles. Hoje, acender uma lâmpada é banal. Mas e quem viu a primeira acender-se? E a tevê, chamada de “máquina de fazer doido”?

Recordei-me de, recentemente, querendo aprender algumas coisas, ter ingressado num curso de extensão de Bioética, assunto que me intrigava a partir do nome. Depois de ouvir e ouvir, após diversas aulas, levantei o dedinho: “Mas que diacho é esse raio de Bioética,professor?” Um deixou a resposta para o outro. E, assim que houve oportunidade, eles se refugiaram em Aristóteles. Um disse preferir Bio-política a Bioética. Outro garantiu que Teologia da Libertação é Bioética. Um quarto assegurou: feminismo também é. Fiquei curioso: o Corinthians é Bioética? E a Mangueira? Não perguntei.

De Aristóteles, minha cabeça voou até Júlio Verne. Retornou a Platão. Lembrei-me do dr.Frankenstein. E a múmia do faraó, cadê ela? Foi quando – olhos postos numa esfera invisível – um professor admitiu a hipótese de, dentro em pouco tempo, haver sangue sintético para resolver dramas de consciência das Testemunhas de Jeová. Uma das indagações: deve, ou não, o cirurgião permitir uma testemunha de Jeová morra por se recusar à transfusão de sangue? Para complicar, um coleguinha – eu era o mais idoso da sala – pediu para “colocar” uma coisa. E “colocou” : “Admitamos que o médico engane o paciente, taque sangue na veia dele e salve a vida do cara. E se, por causa disso, o mano ficar com AIDS?”

Lembrei-me do Conselheiro Acácio: “Tudo é possível.” Já me ia pacificando, pensando em Aldous Huxley, mescalina, ácido lisérgico, o “Admirável Mundo Novo”, quando outro professor – olhos postos, talvez, em um aro de luz – complicou-me ainda mais. Pois ele assegurou que já se discutem, nas mais altas esferas do Direito, agudíssimas questões na área de heranças e partilhas. Segundo ele, os herdeiros irão brigar para ver quem ficará com o “chip” do pai, um aparelhinho que guardará toda a história dele: inteligência, cultura, caráter, memória, experiência. De sacanagens paternas, ninguém falou.

Essas coisas, confesso ter-me lembrado delas na sala de recepção do meu dentista. Pois outra questão transcendental me devorava as carnes: “Por quê um idoso ainda tem dente do ciso?” O que a Bioética diria disso? Seria possível clonar um ser humano de forma que o clone não tivesse dentes do ciso do clonado, nem azia, nem dor de barriga?

Apanhnei uma revisinha da Mônica e comecei a ler. E o mundo ficou mais simples. E mais divertido. Bom dia. (Ilustração: Araken Martins)

Deixe uma resposta