DESCOBRINDO O SOFÁ

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imagesAlguém escreveu, com muita perspicácia, que somos idiotas ao comemorar com festa o aniversário natalício ou a passagem de ano. Afinal, estamos celebrando um ano a menos de vida. E acrescentamos um passo a mais na direção da cova. O otimista disfarça cumprimentando: parabéns! Mais uma primavera!  Já o pessimista, bem realista: meus pêsames! O seu fim está mais próximo!

Interessante que os sintomas da velhice não são sentidos por quem está chegando lá. Com 76 anos, completados dias atrás, não me sinto velho. São os outros que tentam me convencer. Por exemplo: o funileiro que me vê chegando sempre mais vezes com o carro amassado (por culpa dos outros, claro!), atribui à idade o acidente. A cozinheira, discretamente, vai eliminando as frituras; lâmpadas e abajures mais fortes e por toda a casa. Interfone e campainha substituídos por mais estridentes para poupar as visitas; o Zaqueu, meu fiel escudeiro de quatro patas, late e puxa a coleira quando erro a rua de casa. Coisas banais que acontecem em qualquer idade.

O mais humilhante para o idoso é não sentir-se reconhecido na sua longa experiência e capacidade. Tenho um auxiliar que cai no desespero quando me vê com as chaves do carro nas mãos. E teima em ir junto para me orientar. A toda hora: cuidado com o ônibus, lá na frente! Vem vindo um carro à esquerda; olha o semáforo vai fechar; puxa mais para a direita. Meu Deus, você vai bater. Olha a velhinha atravessando. Aturar tudo isso com 45 anos de carteira… Isso sem contar o que se escuta de fora, a qualquer distração: vai jogar bingo, velho!

Outro dia fui a um banco que tem uma escadaria sem fim. Uma senhorita toda condoída com meus cabelos brancos ofereceu a mão para me ajudar a subir. Disparei escada acima, pulando de dois em dois degraus e cheguei lá bem antes dela. Fui a uma loja para renovar meu guarda-roupas. A mocinha foi me mostrando as últimas novidades de calça e camisa e camisetas “para idosos”. Umas peças escuras, sombrias, mal cortadas, boas para velório ou jantar a velas (ou a velhas!). Aí me lembrei do saudoso Rubem Alves que, ao completar 60 anos, foi procurar um blaiser vermelho e roupa vistosa, a exemplo dos japoneses que, ao chegar à 3ª idade vestem a cor vermelha, a cor dos deuses e que sinaliza a plena liberdade, a isenção da censura de comportamento e de ideias. Escolhi umas peças bem coloridas, modernas e pude ler nos olhos maliciosos da atendente: nossa que gueisão! Eu quis fugir do estereótipo social do idoso e me danei.

Mas, o melhor de tudo foi a descoberta do sofá! Nunca tinha dado atenção especial ao sofá. Para mim era apenas um elemento decorativo na sala. Quando me impuseram a emeritude (aposentadoria eclesiástica) alguém me sugeriu: Agora, nesse “dolce far niente”, nesse confortável ócio remunerado, pega um bom livro, senta no sofá e vai dando corda ao tempo. Não deu outra. O velho sofá passou a ser o lugar de predileção. Tomou até o feitio do meu “panaro”. De fato, o sofá deveria ser o logo da velhice. Não aquele boneco humilhante das vagas de estacionamento: um velho alquebrado de bengala e com mão às cotas tentando aliviar a dor da coluna. Melhor o sofá. Bem espaçoso, confortável para se esparramar nele. Quero morrer refestelado num sofá. E ser cremado nele. Deus me ouça!

Pe. Otto Dana – Diocese de Piracicaba

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