A adorável anarco-comunista

Não ocorreu discussão familiar porque ele – já há mais de 30 anos – está aprendendo a ouvir mais e falar menos.  Parece-lhe ter aprendido muito mais com ditados populares e com mitologia do que com estudos e leituras.  Ou seja: não quer mais saber do como das coisas, mas, ainda, interessa-se pelos porquês. Na verdade, ele não sabe, ainda agora,  se está subindo ou descendo a escada que a vida lhe ofereceu. E que ele aceitou.

O fato é que ficou todo vaidoso quando a conversa começou. Ignora o que ocorra em famílias de outras origens, mas, nas descendentes de árabes, tudo parece acontecer à mesa das refeições. Com muita conversa, comes e bebes. E, obviamente, divergências. Fala-se que judeu é que gosta de discutir. Mas, por aquelas bandas, deve ser congênito. O pai dele garantia-lhe: “Judeus e árabes são primos briguentos.” Ele, porém, não tem certeza .  Aliás, certeza, certeza, tem pouquíssima, uma que outra apenas.

Pois bem. Uma netinha dele – a loirinha linda, de olhos azuis – ingressou na universidade, dizem que a melhor e maior, sabe-se lá.  E, em apenas um ano de “curso de humanas”, passou a questionar o mundo, a falar de justiça social, a indignar-se com as diferenças sociais, a solidarizar-se com pobres, com minorias. E a adorável mamãe da adorável netinha:  “Tire isso da cabeça, não queremos que você seja comunista.”

Ele teve vontade, ao mesmo tempo, de rir e de sair em defesa da menina. Daí alguém falou: “Isso é coisa de Marx.” Foi quando ele emburrou e perguntou:  “E justiça não é, também, coisa de Cristo, de Buda, de Confúcio, de Moisés, de Gandhi, de Martin Luther King, da democracia?”

E aquietou-se. Mas, com o olhar, beijou a netinha, em solidariedade. Pois ele – com  alegria – descobria, entre os seus, haver, ainda, o sonho, o ideal, a utopia no sentido romanesco, a esperança, o desejo de mudança, de transformação na juventude. Não apenas na família dele, mas no mundo. Uma juventude sonhadora que não aparece em jornais, em revistas, em novelas, em programas de televisão. Mas que existe.

Na verdade, ele sentiu saudade. Não de um tempo, mas de si mesmo. De quando também sonhou em transformar o mundo, quando acreditou na revolução social,  quando – ingressando na juventude universitária comunista – nada sabia de comunismo, de socialismo, de fascismo, de anarquismo, de Marx, de Engels, de Saint-Simon, Fourier, Owen, de Proudhon, Bakunin. Não sabia, mas sonhava. Queria. Acreditava.

O grande educador, Gilberto Amado, nos 1960, firmou o que parece  a frase definitiva: “O jovem que não for comunista é mau caráter. O comunista em idade madura é um idiota.”  Ele não é mais jovem. Mas ficou feliz em ver a netinha  embriagando-se de sonhos, não importa que irrealizáveis. A juventude passa. E outros sonhos virão. Ou não.

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