“In Extremis“ (113) – Lembranças de um “comunismo juvenil”

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(imagem de OpenClipart-Vectors, por Pixabay)

Nos 1960, o genial educador Gilberto Amado reagiu à histeria da caça às bruxas no falso combate ao que chamavam – desde lá, ora vejam! – de “invasão comunista” no Brasil. Na realidade, havia uma, por assim dizer, febre ideológica na juventude, que mal sabia do que se tratava. O educador enfrentou os militares, que sempre se dizem defensores da democracia, mantendo, porém, os olhos no poder: “O jovem que não for comunista é alienado; o adulto comunista é burro!”

Ser jovem comunista foi aventura empolgante. Para mim, tudo começou por um acaso. Estudante de Direito, eu viajava todos os dias a Campinas.  Certa vez, ao retornar a Piracicaba, sentou-se-me ao lado um homem que, vendo-me ler durante a viagem, se apresentou como vendedor de livros. Ele ia, em nossa cidade, encontrar-se com João Chiarini, o meu inesquecível João Chiarini, a quem tanto devo de estímulos literários. Eu amei o Chiarini, dona Tita, sua biblioteca. Resumo: o vendedor de livros – ao saber de minha proximidade com João – pediu-me levá-lo ao encontro dele. Ainda penso no livro do inimitável John Steinbeck: “O destino viaja de ônibus”. Para mim, aconteceu.

Participando do encontro dos dois homens, vivi um desejo apaixonante – eles iam a uma reunião secreta com o mítico Luiz Carlos Prestes num barracão de Americana. Pedi para ir com eles. Fui. E fiquei magnetizado por aquele homem pequenino, o líder comunista brasileiro, torturado pelo governo de Getúlio Vargas. Foi fascínio imediato. Que se me tornou orgulho sem par quando Prestes me ofereceu uma foto de si mesmo. Até hoje, guardo-a diante dos olhos, lembrança de um tempo em que  sonhos idealísticos alimentavam a vida. Eu mal fizera meus 18 anos

Foi apaixonante. Iríamos transformar o mundo, romper com as injustiças, criar o “novo homem”. E ninguém acreditava nas denúncias de atrocidades cometidas por Stalin. Tudo não passava de “difamação do capitalismo internacional”. O modelo estava na “Mãe Rússia”. E Marx, quem era Marx?   Quem lera o “Manifesto Comunista”? E “O Capital”? Ninguém. Nem mesmo o João Chiarini que, em sua biblioteca, tinha a grande obra completa e comentada em espanhol.

Na faculdade, a missão dos “jovens comunistas” era a aproximação com a JUC (Juventude Universitária Católica). Buscávamos o chamado “compromisso histórico”, o encontro entre os partidos comunista e democrata cristão. Era um sonho de paz universal. Que pareceu ser realizável quando Fidel Castro e companheiros derrubaram a ditadura de Fulgêncio Batista em Cuba. Mais do que Fidel, a figura mítica, arrebatadora era a de Che Guevara! Para nós – marcados por colégios católicos – Che tinha o rosto do próprio Jesus. Um Jesus politicamente revolucionário, que, em vez de evangelizar, agia. Se fora possível em Cuba, por que não no Brasil? Enfim, realizar o sonho do Iluminismo: “liberdade, igualdade, fraternidade”. Não era empolgante?

Meu jovem e adorável sonho comunista terminou ao ficar noivo da Mariana. Nós, “jovens comunistas” – diversos deles, estudantes da Agronomia – reuníamo-nos num quarto do Hotel Jardineira, uma espelunca. E, então, fui julgado pela ”heresia de ficar noivo de uma jovem capitalista, parente de poderosos grupos econômicos” (Mariana era cunhada de Wilson,  filho de Luciano Guidotti.) Fui atingido no mais precioso da consciência: a liberdade, minha vontade pessoal.

Caí fora. E, assim, não me tornei um adulto burro. Mas a saudade ficou, lembranças de ingênuos e vivificantes sonhos juvenis. A aventura foi enriquecedora.

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