“In Extremis” (18) – O “comunista” Venerável

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D. Hélder Câmara tornou-se Venerável da Igreja, primeiro passo para ser reconhecido como Beato e, em seguida, Santo. (imagem: reprodução Google)

Há anos – que parecem infindáveis – temos sido assolados por idiotices e estupidezes deprimentes. Uma das mais odiosas é a de tachar como “comunista” aqueles que não aderem ao pensamento oficial e oficioso. A Humanidade é um processo ainda inconcluso de convivência e de justiça. Em todas as épocas, buscaram-se respostas e soluções, das mais grotescas às mais utópicas. Esse sonho continua, apesar dos anúncios de que “a História acabou”.

No Brasil, temos vivido uma indigência mental cada vez mais dolorosa. Qualquer idiota fala o que pensa em nome de uma hipotética plena liberdade de expressão. Qualquer tolo pode fazer uma pregação estapafúrdia que, para ouvi-lo e segui-lo, há milhares de inocentes úteis. Ora, já não temos profetas, gurus políticos que ainda acreditam seja a Terra plana? E, ao tachar o adversário de comunista, quem, verdadeiramente, sabe o que pretendeu ser o “comunismo”, suas origens, suas várias formas? Ora, aquilo que se pensou nas primeiras décadas dos 1800 valeria, ainda, para o início do terceiro milênio?

Orgulhosa e apaixonadamente, ingressei – aos meus 18 anos – na Juventude Comunista, que se organizara na PUC-Campinas. Mas – quanta inocência juvenil! – nenhum de nós sabia o que era Comunismo. Falávamos de Marx e Lênin sem nunca, então, tê-los lido. Ora, até hoje não conheci ninguém – absolutamente ninguém! – que tenha lido “O Capital”, de Marx. Nem o saudoso e incrível João Chiarini, o mais adorável “comunista” que minha geração conheceu em Piracicaba.

“Ser comunista”, naqueles anos, era um ideal romântico, inspirado pela adesão de intelectuais, artistas, escritores, poetas de todo o mundo. Não me atrevo a citar nomes, tantos e tão marcantes foram. Era uma febre universal, misturando conceitos, ideários, grupos sociais num empolgante e febril sonho de justiça social. Foi sob a esperança de um mundo mais justo e da lembrança de “liberté, égalité, fraternité” que um sonho acontecia. Comunismo, o que era aquilo mesmo?

Fidel Castro, Che Guevara, Camilo Cienfuegos – como nos inspiravam, derrubando um ditador corrupto e tirânico como Fulgêncio Batista, em Cuba!  Quem falava serem, eles, comunistas? A juventude mundial, no entanto, apaixonou-se pelos heróis barbudos, como se nos apaixonássemos pelos Três Mosqueteiros. Éramos, na verdade, Dom Quixotes criando nossos moinhos de vento.

Nos 1950/60, a fome de liberdade e de justiça foi-nos como que insaciável. Éramos herdeiros da II Guerra Mundial, com um horror por assim dizer congênito em relação a Hitler, Mussolini, sem saber que Stalin era um deles.  O Vaticano abrira-se para o mundo, na “Primavera da Igreja”. E houve uma explosão de mudanças. E, nisso, um pequenino sacerdote agigantou-se: D. Hélder Câmara.

Tive o privilégio de conhecê-lo. De visitá-lo em sua diocese, no Recife, sendo recebido em seus aposentos: o quarto com uma cama cujo colchão parecia uma esteira, uma mesinha com cadeira, um crucifixo na parede… E tive a honra de conduzi-lo de Piracicaba a São Paulo em meu próprio carro. Jamais esqueci, tal a magia daqueles encontros.

D. Hélder foi indicado para o Prêmio Nobel da Paz. O governo militar, no entanto, esperneou: “um padre comunista”? E o nosso campeão da paz foi vitimado por ódios que continuam vivos. Agora, numa era de ansiedades, o Vaticano anuncia: D. Hélder Câmara tornou-se Venerável da Igreja, primeiro passo para ser reconhecido como Beato e, em seguida, Santo.

Já ouço gritos, já vejo revólveres nas cinturas, histerias: “Um comunista Venerável?” Pois é.

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