“In Extremis” (179) – O florescer dos ipês

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(imagem de Deinha Deinha, por Pixabay)

Há muitos e muitos anos, desisti de tentar entender o ininteligível. Optei por espantar-me cada vez mais com o palpitar da vida no mistério do universo. E creio deva ser a reação mais adequada. Pois espanto é o assombro, o maravilhamento que perturba e incomoda. A partir de então, passei a valorizar, ainda mais, as alegorias de nossos ancestrais, criando figuras, imagens, narrativas diante do abstrato inspirador. Quando não se sabe o que dizer, cria-se. Ao não se encontrar palavras, improvisa-se. Isso é fascinante, penso eu, especialmente quando se está diante desconhecido. Ao se falar haver, nos chamados livros sagrados, inspiração divina, confesso aceitar essa possibilidade. Deus expira, o homem inspira – acho isso bonito.

Está lá – no livro criador da fé judaico-cristã e islâmica – a narrativa da criação do homem. Se não se aceitar a origem divina da explicação do gênese, reconheça-se, pelo menos, a genialidade e a poesia. “O Senhor Deus tomou o homem e o pôs no jardim do Éden, para o cultivar e guardar.” Eis-nos, pois, colocados num jardim. O mundo é um jardim. Para ser cultivado e protegido. Tudo isso e apenas isso. Mas será que entendemos?

As maravilhas da ciência mostram-nos como as coisas acontecem. E fazem-no a partir da curiosidade da filosofia que, incansavelmente, indaga dos porquês. No entanto, antes de ambas tornarem-se ciências, o instinto do homem primitivo – com a singeleza de sua sabedoria – entendia as manifestações da vida em sua plena realidade. E com poesia. E com ternura. Nosso ancestral presenciava o milagre da terra, do solo, na sua reprodução incessante, parindo frutos e maravilhas. E entendia: a Mãe Terra, a Terra Mãe.

Tornou-se clássica a observação de Max Weber diante da visão racionalista da modernidade: “Tiraram o encantamento do Mundo, desencantaram o mundo.” Mas o Mundo é encantado, apesar de o ser humano insistir em dominar a natureza, em vez de comungar com ela. “Que rei sou eu?” – deveríamos perguntar a nós mesmos. “Donos do quê?” Ou apenas posseiros daquilo que pensamos pertencer-nos? Ora, o “rei dos animais”! Basta voltarmos os olhos para o alto e depararmo-nos, então, com o infinito dos espaços. E, em noites azuladas, espantarmo-nos com as miríades de estrelas que, piscando, parecem divertir-se com a nossa pretensão.

Sempre evitamos reconhecer uma das mais tristes verdades: a de não saber viver. Ou de ter medo de, em nós, a vida acontecer tal como ela é e não como nos tem sido imposta. Ora, o que fazem os mágicos senão buscar relacionar-se com forças desconhecidas – naturais ou celestiais – e tentar conviver com elas? Pois a vida é magia e ser mágico é reconhecê-la em seu fascínio. Se soubermos fazê-lo, retomaremos fascínio daquilo que espanta.

Ainda é inverno, por mais suave esteja sendo. Mas os ipês floresceram! Pela cidade, lá estão eles antecipando-se à primavera com a brancura anunciadora de passagem. Como não olhá-los, como não percebê-los? Ou nossos olhos cegaram-se ao belo por força de tanta ansiedade e angústia? A vida dá sinais. A todo momento. E, florescendo, os ipês assinalam a mudança, o final do inverno e – por que não? – também do que nos enregelou a alma nesses tempos tão dolorosos. É o anúncio da primavera. E o simbolismo dela é o renascimento, o reinício, o florir de sentimentos e, também, a revitalização dos corpos.

Os ipês anunciam um novo momento. Apenas quem souber ver saberá sentir. Mas… Morremos de tanto trabalhar. No entanto, trabalha-se para viver.

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