“In Extremis” (180) – O sorriso de Lilibeth

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(imagem de OpenClipart-Vectors, por Pixabay)

Ao anúncio da morte da Rainha Elizabeth, dei-me conta, repentinamente, de não ter falecido apenas a admirável monarca britânica. Era a morte de alguém da família, de “gente de casa”, tia ou avó muito queridas. E, então, fez-se o vazio. Sem ela, como será? A imagem que me vem é de uma paisagem à qual nos habituáramos e, de repente, se alterou: “Cadê a árvore que estava ali?”

Essa nossa viagem pela vida – se sobre ela refletirmos – pode, também, ser assustadora. Creio não ser o tempo que passa, pois, assim fosse, seria finito. O assustador está em passar por ele, estar nele quase nada sabendo da caminhada. O que passou nos acompanha. O agora é esse estar no imprevisível. Lá se foi, pois, a Rainha Elisabeth II, personagem tão principal de nosso drama que a narrativa exige uma pausa para prosseguir. Mesmo assim, há que continuar. E de continuar.

O ainda mais assustador em alguns de nós pode ser a percepção do mistério insondável, mas verdadeiro, de nossa instabilidade diante da vida. Parece-me que não nos damos conta da rapidez de todo o movimento vital. Cada dia, realmente, é um dia. Que, porém, apenas prossegue ao invés de acabar-se. O dia que termina deixa rastros. E o seguinte tão só lhe dá continuidade. Como não me lembrar – não sei fazê-lo a não ser dizendo-o por mim – de quando a jovem e bela Lilibeth foi conduzida ao trono? Como, para quem se recorda daquilo, entender tenham-se passado 70 anos? Quase um século inteiro?

Quando aconteceu, este perplexo narrador tinha apenas 12 anos. E, em 1952, o Brasil já estava em sua interminável convulsão política, que levaria Getúlio Vargas ao suicídio em 1954. Lembro-me de, na escola e em minha casa, ouvir as conversas de familiares e de professores a respeito da jovem rainha, simpática e bela, mas tida como inexperiente. Entre as dúvidas, havia uma certeza: Elizabeth teria, a seu lado, uma das mais formidáveis lideranças mundiais, o Primeiro Ministro Winston Churchill. Era ele a garantia do já chamado “mundo livre”, diante da ascensão também formidável da União Soviética. Elizabeth II chegava como protagonista da história. No entanto, o personagem principal, no Reino Unido – mas já desunindo-se – era ele, Churchill.

Setenta anos depois! E ela, a Lilibeth, sempre sorridente até mesmo nos mais dramáticos percalços de sete décadas na história da humanidade! Como, pois, entender que se prossiga no mesmo enredo sem a última das personagens principais? E como não se espantar – assustadamente até – com tudo o que aconteceu? Minha quase certeza é a de a vida adulta começar a acontecer-me aos meus cinco anos de idade, com aquele medo inesquecível da bomba atômica sobre Nagazaki. O medo amadurece o ser humano. Penso ter sido ali, quando minha infância despertou para a inevitável tragédia humana. Por isso, quando surgiu a Guerra da Coreia – 1950 – a criança que fui já acompanhava o horror, orientada por seu inesquecível pai. Elizabeth chegou ao trono com o mundo ainda em guerra, em outra guerra, com os Estados Unidos agora assumindo, em definitivo, o comando do chamado universo democrático.

Setenta anos! E Elizabeth, a Lilibeth, cada vez mais soberana, cada vez mais rainha. E sorrindo. Sorrindo sempre. Teriam sido sorrisos nervosos, de medo? Ou sorrisos de sua profunda consciência de responsabilidade régia? Quero crer nessa última indagação. Lembro-me da música que, no Brasil, buscava animar-nos em relação a Getúlio Vargas: “O sorriso do Velhinho faz a gente trabalhar”.

O sorriso de Elizabeth II fez, durante setenta anos, o mundo ter esperanças. “Ave Regina” – “Salve Rainha”!

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