O mortal inimigo sedutor

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(Imagem de Vishwanath Teggi, por Pixabay)

Confesso não saber, ainda hoje, até que ponto devo ou posso contribuir num movimento antitabagista. O assunto, para mim, sabe-me a alta dramaticidade. Pois fui dependente do cigarro – esse inimigo sedutor, mas mortal – desde os infantis nove anos de idade até beirando a velhice, aos 61. Sei, portanto, do que se trata essa mais outra estupidez humana. Fumar é suicídio lento e recuso-me a acreditar haja um único fumante que desconheça essa amarga realidade. Sabe-se, sim, que se está destruindo aos poucos. Mas há – digo-o, pelo menos, por mim – medo de enfrentar e derrotar o vício. Pois é, realmente, vício, deveríamos dizê-lo com todas as letras.

A geração de que sou parte teve, no cigarro, o símbolo da masculinidade, da elegância, do refinamento social. E havia um quase irresistível promotor daquela loucura, um ditador de modas e costumes. Seu nome: Hollywood. O cinema era o centro da nossa vida social, o que havia de mais requintado e moderno. Atores e atrizes haviam-se tornado referenciais especialmente da juventude, garotas e rapazes. Por incrível pareça, a propaganda dos cigarros vinculava-os até mesmo à saúde, “homem especial, homem livre, homem saudável”, “mulher mais bonita, mais elegante”. Os chamados astros e estrelas apareciam fumando com tal prazer e alegria que se ocultava praticamente todo e qualquer malefício do tabagismo. Um desses atores, jovem, misterioso, fascinante e transformado em herói após sua trágica morte foi James Dean. Vestir-se à semelhança de James Dean, viver livremente, ser rebelde e, portanto, “fumar como James Dean” foi como que um ideal da juventude no mundo todo. E uma das marcas de cigarro mais famosas e procuradas tinha um nome irresistível: cigarros Hollywood.

O fumante sabe do mal que faz para si mesmo. Sabe da loucura. Sabe do suicídio lento. No entanto – e reafirmo dizê-lo por minha dolorosa experiência pessoal – tem medo. O cigarro vai-se-lhe tornando-lhe de tal forma parte de si mesmo que, sem ele, acredita-se ficar numa desesperada solidão. Não consigo explicá-lo com palavras. Em mim, àquela época, o apenas pensar numa noite sem cigarro levava-me quase ao pânico. Nessa insensatez, era preciso ter, em minha casa, não apenas um maço, mas um pacote de cigarros.

De tal forma viciei-me, que o cigarro se tornou parte de mim mesmo, parecendo-me impossível viver sem ele. Foi tal a loucura que cheguei, ao fim, a queimar quatro maços diários de cigarros. Não apenas estava suicidando, mas, também, destruindo as finanças familiares. Tinha consciência do mal, da estupidez, da loucura – mas havia o medo de largar ou o de não conseguir vencer o inimigo sedutor.

Então, aconteceu. Numa tarde, escrevendo e fumando, fumando e escrevendo, veio-me uma dor aguda na mão esquerda. E ela foi estendendo-se ao braço. E ao ombro. E, finalmente, no peito. Dor insuportável. E meu cigarrinho na outra mão. Entendi, mesmo querendo não fosse aquilo: era o infarto. Dei uma última tragada e atirei o cigarro ao longe, como uma dramática e dolorosa despedida. Eu sabia ser meu momento decisivo, totalizante, final: parar de fumar ou morrer.

Recuso-me a dizer a um fumante que pare de fumar. É uma decisão profundamente pessoal, uma opção determinante. Acredito, com toda a sinceridade de alma, que se trata de uma questão de amor. Ou se fica com o cigarro e se destrói a vida, ou se ama a vida e, com todas as forças, busca-se mantê-la. Eu amo a vida. E rompi com o cigarro que foi, por tantos anos, um falso, mas sedutor companheiro. Ora, não me perguntem se foi difícil. Mesmo porque, se o fizerem, eu responderia com outra pergunta: que dificuldade um ser humano não busca superar para manter esse privilégio imensurável de estar vivo? Fumar ou viver, eis outra opção fundamental. No fundo, no fundo, nada mais do que uma simples questão de inteligência.

(Cecílio Elias Netto e o site “A Província” apoiam a campanha “Paradas pro Sucesso 22”, pelo “Dia Nacional de Combate ao Fumo” – 29 de agosto)

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