“In Extremis” (191) – A paradoxal magia do futebol

Pelé em ação. (imagem: pesquisa Google)

Desafio-me, a mim próprio, a encontrar algo – seja lá o que for – que cause, provoque, desperte reações e até sentimentos coletivos tão diferentes quanto o futebol. Não o encontro. Nem mesmo no amor entre pessoas. Nem também em religiões ou em conflitos entre elas. Que, aliás, nestas são terríveis e como que intermináveis. No futebol, todas as paixões podem acontecer durante 90 minutos – e, também, na véspera ou logo após eles – arrefecendo-se, porém, até a próxima disputa entre litigantes.

Chego a considerar seja um tipo de guerra não declarada e, tampouco, quase nunca admitida. E, também, com regras e leis hipocritamente aceitas na teoria. Pois, desrespeitá-las é, no futebol, uma arte reconhecida e até mesmo aplaudida. Quem não se lembra de quando Maradona, num campeonato mundial, marcou um gol decisivo e se tornou um herói para seu povo? A ilegalidade fê-lo abençoado, bendito e imortalizado. Enganar o juiz é, no futebol, uma virtude especialíssima. Reconhecida, desejada, aplaudida. Ou não seria, isso, parte da própria vida? Driblar problemas, fintar autoridades, vencer adversários, obter o resultado desejado através de todo e qualquer recurso, ganhar sempre, não saber perder, nunca reconhecer o erro?

O Barão de Coubertin – idealizando competições fraternais que viriam a se transformar nos Jogos Olímpicos – cunhou a frase que, ainda hoje, tenta impor-se como realidade: “O importante é competir.” Para os que buscam títulos, será que que isso é mesmo aceito? E para os torcedores? Ora, deixemos de, pelo menos no futebol, dourar a pílula. Pois, o importante, o fundamental, o verdadeiramente essencial é vencer. Brasileiro não aceita sequer o empate e, muito menos, um vice-campeonato.

O inimitável Machado de Assis – na também inimitável obra “Quincas Borba” – faz o personagem filosofar: “Ao vencido, ódio ou compaixão; ao vencedor, as batatas.” Os famintos da narrativa deveriam lutar entre si para ter direito ao campo de batatas que os alimentaria. No futebol, os jogadores famintos e a torcida inquieta vivem a fome do gol. E, portanto, da vitória. Há um só objetivo: vencer ou vencer. O cavalheirismo, ao início da partida, é hipócrita.

Estudos há – e muitos – sofre a significação do futebol na vida individual e coletiva. Há uma especialíssima magia. E paradoxal. Pois despertando paixões, o futebol é capaz de acionar, de instante a instante e num único jogo, os mais recônditos dos sentimentos humanos: ódio e amor, tristeza e alegria, desespero e esperança, risos e lágrimas, frustrações e realizações. Cada gol é – para jogadores e torcida – a plena realização, a glória, a superação de ressentimentos. Nesta Copa, o jogo do Brasil fez a nação esquecer de amarguras, frustrações. E do Jair.

A catarse coletiva é de tal intensidade que a história nos conta do que Pelé representou ao mundo com sua arte insuperável. Foi em 1969, quando o Santos F.C. foi jogar na África. Acontecia a chamada Guerra da Biafra. O jogo aconteceu na cidade de Benin, na Nigéria. A guerra sangrenta decretou um cessar fogo apenas para ver Pelé jogar. Depois do jogo, o massacre prosseguiu.

O futebol é reconhecido como o esporte representativo da síntese da vida. Um livro admirável de John Huizinga, “Homo Ludens”, mostra-nos como o jogo, o espírito lúdico são anteriores à cultura humana. E a vida o que é senão um jogo permanente, diário, individual e coletivo?

Recorro a Gonçalves Dias: “É luta renhida: Viver é lutar. A vida é combate, que os fracos abate, que os fortes, os bravos, só pode exaltar.” O que é o futebol?       

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