“In Extremis” (78) – Nós que amamos e odiamos Maradona

 

FIFA World Cup 1982

Maradona. (imagem: reprodução Google)

Parece infindável a nossa capacidade de ouvir e de falar tolices. Sei lá, eu, de que matéria somos feitos, mas chega a assustar essa nossa loucura para tudo vulgarizar ou depreciar. É como se já tivéssemos nascido para um eterno mau-humor. Ou para essa concepção doentia de que o mundo é apenas “um vale de lágrimas”. Será que nos aprazem tanto a miséria quanto a grandeza do outro? A miséria, para sobre ela tripudiar; a grandeza alheia para invejar.

Penso nisso, ainda outra vez, por um comentário – estúpido, em meu entender – que ouvi a respeito da comoção causada pela morte de Maradona: “Tudo isso, por um jogador de futebol?” É o eco da ignorância que nos persegue, incapazes de entender realidades que nos alcançam. Maradona, um jogador de futebol, apenas isso? E o futebol é, tão pouco, uma banalidade qualquer, um simples jogo? E o jogo, algo tão insignificante ou uma imprescindível realidade na vida e na história humanas?

Um tolo chamado Aristóteles descobriu a essencialidade do jogo. Aristóteles aproximou o jogo “à felicidade e à virtude”. Demonstrou que o jogo é um bem que se basta por si mesmo, fazendo parte do homem pelo prazer que produz, pela fruição, pela sensação de saúde, de bem estar. E de paixão! A propósito, há uma obra prima da humanidade que nos foi deixada por Huizinga: ”Homo Ludens”. Em meu entender, deveria ser adotada em nossas escolas para a juventude descobrir a beleza da aventura de viver e do jogo como, também, atividade laboral.

O futebol é considerado “o mais completo dos jogos coletivos”. E o é, por ser como que uma síntese da nossa vida, um teatro onde ela se espelha, o drama com todas as suas circunstâncias. Um estudo – de cujo autor já não me lembro – revela como a personalidade de uma pessoa pode ser identificada pela posição em que ela atua no futebol. O goleiro, exibicionista; o centro-avante, o aventureiro; no meio-campo, pensadores. Lembro-me de quando, como jornalista, eu entrevistava personalidades. Antes de começar a entrevista, eu perguntava se, tendo jogado futebol, em qual posição ela atuava.  Acertei com um bispo famoso: “O senhor jogou na lateral direita.” Surpreso, ele quis saber como eu descobri. Respondi: “O lateral direito nunca assume responsabilidade sozinho.”

A comoção pela morte de Maradona é absolutamente compreensível, justificável. Se Pelé se impunha pela majestade de seu futebol incomparável, Maradona foi o anjo de cara suja, a irreverência que o fez amado por seus admiradores e odiado por aqueles contra quem ele jogava. Em minha opinião, não há qualquer sentido em estabelecer paralelos entre Pelé e Maradona. Um foi o rei, com toda sua magnificência formal; o outro, um príncipe rebelde, herdeiro que nunca pretendeu a sucessão. Maradona nivela-se, em minha opinião, a um dos mais admiráveis mágicos no mágico mundo futebolístico: Garrincha. Moleque travesso tal qual Garrincha, Maradona foi a alegria do povo. E torna-se eterno por ser o moleque que cada um de nós gostaria de ser. Ou de ter sido.

Está no discurso das multidões: Olímpiadas gregas, jogos nas arenas romanas, multidões vivendo paixões, alegrias, ódios, amores. É romana a mais eficiente fórmula para manter o povo em harmonia: “Panem et circenses”, pão e circo. Maradona foi um ator que, enquanto todas as atividades se submetem a regras, incluindo jogos, nos encantou por não ter-se submetido a regra alguma. Até marcar gol com a mão foi parte de sua vocação para seduzir.  Jogando, rebelando-se, Maradona zombou dos costumes, “ridendo castigat mores”.

Maradona teve coragem de ser gente. Se as regras atrapalham, danem-se as regras. Quem não almeja isso?

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