“In Extremis” (193) – Ele, ainda e sempre

pele-copa-mundo-1970-1080×675

Pelé, na Copa do Mundo de 1970. (imagem: https://lendasdofutebol.com/)

Mil vezes a mim mesmo falei e comentei e escrevi: fosse, eu, sábio e humilde, haveria de andar de joelhos sobre a terra. Por e em gratidão. Pois privilegiou-me a Vida trazendo-me ao mundo no tempo das grandes e profundas transformações. E, também, ao permitir aproximar-me do fim ainda com lucidez e entusiasmo. Espanto-me com tal graça, com a benção: andei de carroção de boi e acompanho o Homem chegando a Marte. Vi a Lua dos poetas e dos amantes ser profanada pelas pegadas humanas. E, entre encantamento e sustos, assisto ao que me parece um milagre: a era digital.

Portanto, ouso repetir o poeta: “Meninos, eu vi!” E, nesse ver e olhar de deslumbramentos, envaideço-me de um dos privilégios que me foi dado: ver o surgimento de Pelé! Sim, meninos, eu vi! Foi em 1953, aos meus 13 anos completados em junho. E vi uma criança, poucos meses mais novinha do que eu, deslumbrar multidões fazendo mágicas com a bola num pequeno campo de futebol de Bauru. Aconteceu no campinho do BAC (Bauru Atlético Clube) e o garoto – antes conhecido como Gasolina – era a atração do “Baquinho”, o time infanto-juvenil.

Quase não acreditei no que vi. Mas eu estava vendo. Aquela criança, já chamada de Pelé, parecia um feiticeiro fazendo, com a bola, feitiços inexplicáveis. Na minha ingenuidade infantil, voltei de Bauru – onde costumava passar as férias na humilde casa de tios – e apressei-me a contar a amigos o que me parecia irreal nos pés daquele garoto. Mathias Vitti – meu amigo tão querido e inesquecível – era goleiro no time infanto-juvenil do XV de Novembro. E, ingênua e apaixonadamente, eu lhe implorava: “Mathias, fale para a diretoria do XV contratar o menino.” As pessoas riram-se, riam-se de mim.

Em 1954, um jogador húngaro encantou o mundo: Puskas. Apaixonado por esportes, já era, eu, um devorador de jornais e revistas. Num deles, à época, “Mundo Esportivo”, li uma declaração pomposa do então presidente do Santos F.C., Modesto Roma. Zombeteiro, retrucava ele: “Puskas, o melhor do mundo? Bobagem. O melhor do mundo está aqui no Santos. Seu nome é Pelé.” O menino mágico era um quase frágil adolescente.

Ah! Pelé. Vivendo, agora, o seu calvário com problemas de saúde, ele – que deslumbrou o mundo – faz esse mesmo mundo alarmar-se. O Olimpo está alvoroçado. O “deus negro dos esportes” foi atingido em sua humanidade. Num hospital e sofrendo, Pelé enviou seu incentivo a jogadores outros que não souberam honrar uma história futebolística que ornou de respeito este país. Mas será que Pelé não sabia que aquela, antes de ser uma verdadeira seleção do Brasil, era apenas uma legião estrangeira convocada para divertir-se no Catar? Jogadores de futebol ou bailarinos? Representantes dos brasileiros ou apenas de si mesmos, cada qual exibindo-se faustosamente?

O choro aparentemente convulsivo de Neymar foi pela derrota ou pelo prejuízo futuro às ambições sem fim dele próprio e de seu papai? E o patético Rafinha, ofendendo a todos nós ao dizer que “o azar de Ronaldo foi ter nascido no Brasil?” E Tite, abandonando seus atletas no palco de um espetáculo fracassado?

Há quem compare Pelé ao Barão de Mauá em serviços que dignificaram o Brasil no exterior. São, porém, dimensões diferentes. O futebol é paixão das massas, jogo e arte que convulsionam o mundo. Política externa – ainda que fundamental – independe da participação popular. Pelé – sofrendo o seu martírio – é reverenciado por todos os povos. E, enquanto isso, um ex-soldado lá de Brasília continua falando suas tolices e destilando ódios. Ele e Neymar assemelham-se…

Para acompanhar outras crônicas desta série, acesse a TAG “In Extremis”.

Deixe uma resposta