“In Extremis” (197) – O vital: “nós contra eles”

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“Deus e o demônio; dia e noite; claro e escuro; limpo e sujo; bandido e mocinho – embora haja, também, o ‘chiaro/oscuro’, o ‘sfumato’.” (foto: Lucas Pezeta / Pexels)

Os inomináveis acontecimentos de Brasília são apenas a gota d´água em um copo que já estava transbordando de ódios. E responsabilizar apenas aquele ex-soldado canhestro e com sintomas de idiotia é apenas desculpa esfarrapada. Ou transferência de culpabilidade. Os responsáveis são os que votaram nele, tanto por saberem de quem se tratava – e, portanto, semelhantes ao personagem – ou os que o desconheciam, culpados, logo, de ignorância responsável.

Há grande responsabilidade culposa, também, de muitos veículos de comunicação. Pois estes – sendo profissionais da informação – não podem alegar desconhecimento diante do público e notório. Já na década de 1980, o então Presidente Ernesto Geisel – que apregoava a “anistia lenta, gradual e segura” – recebeu a visita daquela personalidade execrável. O soldado que quase fora expulso protestava contra a anistia, insistindo na manutenção da ditadura. Geisel não lhe deu importância e justificou: “Ele (o Jair) é um mau soldado. Não é uma pessoa normal.”

Conquistas científicas, pensamentos teológicos, reflexões filosóficas, práticas do cotidiano continuam a realizar notáveis transformações. No entanto, aquele personagem do filme “O Leopardo” já sabia: “Algo precisa mudar para ficar tudo igual.” E, na realidade, a sabedoria vem de longe: “Nada há de novo sob o Sol”. Conseguimos mudar até mesmo significado de palavras, embora não lhes alterando a natureza. Um simples exemplo: as palavras homem e mulher. No século 18, a “Encyclopédie” francesa definiu o homem como “dominador de todos os outros animais”. E a mulher apenas como “fêmea do homem”, “um homem falhado”.  No século 21, o ser humano é parte do milagre da Criação.

Delongo pelo cansaço de querer entender. Que nada mais entendo. O Brasil continua sendo admirável laboratório para as mais conflitantes experiências humanas. Nestas, o ex-soldado e sua turma ainda tentam impor um militarismo canhestro que todo o mundo democrático repele. O povo brasileiro tem reagido. Mas a ameaça continua perigosamente viva.

Ora, dividimo-nos, sim, entre “nós e eles”. Isso é milenar. Mesmo assim, o presidente Lula fala em apressarmo-nos à união. Inquieto-me com isso. Pois, há a fria realidade que precisa ser entendida: “nós, aqui”; “eles, lá”.  Deus e o demônio; dia e noite; claro e escuro; limpo e sujo; bandido e mocinho – embora haja, também, o “chiaro/oscuro”, o “sfumato”. Ou, poeticamente, a penumbra, o alvorecer, o entardecer. Enfim, a espera. E, portanto, um mínimo sinal de esperança.

Ora, não é possível, de maneira natural, unir água e fogo. Semelhantemente, ditaduras não convivem com democracias. São antípodas. Por isso mesmo, seria ridículo e farsante referir-se a um governo democrático-fascista. Tratar-se-ia de uma contradição absurda. Entre democratas e fascistas, há que persistir o conflito entre “eles” e “nós”. É, acima de tudo, exigência da liberdade. “Eles” serão “nós” apenas quando estiverem conosco. Quando, pois, o Presidente Lula propõe a união dos contrários, é preciso entender: os adeptos da tirania converteram-se a um governo democrático ou a democracia se rendeu aos fascistas de plantão?

O extremismo falsamente denominado bolsonarista continua dando mostras de pretender ruir o Brasil democrático. “Eles” são inimigos do “nós”. Não há convivência possível. Pelo contrário, urge – até mesmo para conter a semeadura de ódios – que sejam responsabilizados. “Nós” temos – em nome da paz social – que exigir sejam, “eles”, contidos. “Eles” tentam destruir o Brasil. Que é de “nós”, os resistentes.

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