“In Extremis” (206) – Nosso cotidiano zoológico verbal

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(Imagem de 200 Degrees, por Pixabay)

Lembro-me de quando se desaconselhava mulher a ir a jogo de futebol em virtude das inconveniências da torcida. Muitos xingos, palavrões, brigas. E mulher – ainda naqueles distantes anos – merecia considerações especiais. Homens tiravam os chapéus quando as cumprimentavam. E abriam portas de casas e automóveis para elas entrarem. Época de damas e de cavalheiros, pois sim.

Mas isso foi, apenas, prólogo de reflexão sobre o atual “circo romano” em que se transformou o futebol. Jogadores como que são atirados à arena para enfrentar outros animais. Torcedores, narradores, jogadores sabem que o jogo – ou a luta – acabará com vitória de um, derrota de outro ou empate. Mas a lei é implacável: vencer ou vencer. Um teatro, portanto, de regras, de arte e, em especial, de paixões irracionais. Xingar a mãe do juiz é convenção universal. Xingar, na realidade, é parte integrante do espetáculo. Além de, obviamente, ser recurso terapêutico para todos esvaziarem-se de seus traumas pessoais.

O ocorrido, na Espanha, com o jogador brasileiro Vinicius teve repercussão mundial de repúdio. Onde já se viu torcedores chamarem o atleta de macaco? A indignação de tanta e tanta gente foi absolutamente compreensível, incluindo a do próprio jogador. E até já se considerou ter havido crime por parte dos torcedores, o terrível e abjeto crime de racismo. Mas… E se, em vez de macaco, o Vinicius tivesse sido chamado de burro, de cavalo, de cachorro?

Parece haver algo de preconceituoso em relação a xingamentos referentes a animais. Freud explicaria? Pois, no nosso cotidiano – não sei o que acontece além de nossos adoráveis limites brasileiros – há um verdadeiro zoológico verbal. A alguém forte, diz-se ser “um touro”. À gorda mulher do vizinho, o desafeto chama-a de “vaca”. E vaca, também, é a com mau comportamento. Ou, então, cobra, cadela. E o marido, retornando ao lar, queixa-se de ter trabalhado feito um burro. Ou como um camelo. O hipócrita é um camaleão. O filhinho querido – que fica dando saltos – é advertido pela mamãe: “Pare de pular, seu macaquinho.” E o maridinho pacífico, calmo, tranquilo é comparado a “cachorrinho de madame”.

Dois animais, no entanto, entraram na zona perigosa de se tornarem personagens de crimes previstos em lei: o veado e o macaco. Chamar alguém de veado é incorrer no crime de homofobia. E dizer macaco para um outro de cor preta é crime de racismo. O que, afinal de contas, o veado e o macaco – animais tão atraentes – têm a ver com a falta de educação, de civilidade, de respeito do ser humano? De minha parte, acho que alguma associação protetora dos animais é que deveria entrar em juízo na defesa dos bichinhos. Pois, não seria ofender um macaco se o compararmos com qualquer canalha humano? E o veado, essa vítima inocente?

Começo a acreditar num preconceito de ordem zoológica. Se o marido chamar a mulher de “gata”, ela irá envaidecer. E o homem, se for tido como um “gato”? Ai deles, no entanto, se se disser que este é um cachorro e aquela, cachorra. Mas que alegria, se o casal for uma “leoa” e um “leão”!

Aproveitando o tema: e o Lula, hein? Como político, é uma raposa. O homem, porém, anda falando feito “papagaio”. E a dona Janja, tão feliz, não parece uma “pavoa”? E os dois juntos, de mãozinhas dadas, grudadinhos como carrapatos? Quanto a aqui, em Piracicaba, a Prefeitura está lerda quanto uma “tartaruga”.  Ou parada como um bicho-preguiça.

O fato é que, tais coisas escrevendo, eu me meti num vespeiro. Melhor faria ficando quieto no meu canto, feito carneirinho.

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