“In Extremis” (210) – Descobrir-se ancião

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(imagem: Debby Hudson / Unsplash)

Ora, o escrevinhador já é ancião há bom tempo e nem sequer o percebera. Pois, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o ser humano é considerado ancião a partir dos 75 anos até os 90. Depois disso – ai, ai, ai! – chega-se à “velhice extrema”. Alcancei os 83 e rendo graças à Vida por isso. E ficarei feliz de ser tido como velhinho se chegar e ultrapassar os 90. A aventura de viver ainda fascina-me. E muito há, ainda, para contar, escrevendo.

Na Antiguidade, um ancião era reconhecido como alguém sábio, respeitável, dada a sua experiência de vida. Ou, então, apenas uma criatura envelhecida, fora de moda, improdutiva. E, até mesmo, tola. Ora, nem tanto ao céu, nem tanto à terra. Improdutivo, não o sou. Insisto em ser e estar ativo. Irrito-me, porém, por não mais conseguir fazer coisas como as fazia até os 60 anos. Quanto a ser sábio, longe estou. Mas continuo estudando, muito e muito.  E, assim, aprendo coisas diariamente e compreendo e descubro outras que, antes, mal as percebera.

Vivo, ainda, de esperanças. E são mais audaciosas do que as apenas materiais, que estas já pouco me interessam, além das necessárias à vida. Anseio, por exemplo, alcançar o que Nietzsche denominou de “Amor Fati”: “Não querer nada de diferente do que é, nem no futuro, nem no passado, nem por toda a eternidade. Não só suportar o que é necessário, mas amá-lo.”  Viver, apenas viver. E, então, participar, vividamente, do mistério do Ser.

Assumo estar mais próximo da contemplação do que da ação. Aumentou-me o anseio por um ideal de vida dedicada à busca do conhecimento. Os “por quês?” ainda me são provocantemente tentadores. Mas aprendi que as coisas são como são. E que, quase sempre, acontecem indiferentemente à nossa vontade. Por isso, as minhas são preces de gratidão pelo que, nessa longa jornada, vi acontecer. Foram mudanças, transformações, belezas e horrores, alegrias e tristezas que permitiram saber-me humano. Por isso, sou tentado a roubar, a Pablo Neruda, o título de uma de suas obras primas: “Confesso que vivi.”

Saber que “tempus fugit” leva, também, a compreender mais claramente a importância vital do cotidiano. Enquanto menos se espera do futuro, mais se valorizam passado e presente. Uma querida amiga me adverte: “O tempo voa, mas lembranças ficam.” Tem, ela, razão. Um pouco de sabedoria, porém, leva a cultivar as boas lembranças e sepultar – debaixo do tapete, certamente – as más. Acredito, agora, esteja, o segredo, nessa bênção a que se deu o nome de alegria.

E que não me perguntem como definir a alegria. É a beleza de sentir, não de explicar. Desisti, pois, de querer objetivá-la. Fico com Espinosa: alegria é uma paixão. E que induz ao encontro de maior perfeição da mente. E, convenhamos: não é preciso ficar ancião para alegrar-se por estar vivo e existir entre tantos mistérios da natureza. Crianças entendem essa dádiva com a simplicidade do coração. Adultos complicam-na. Lamentam pelo que perdem e não cuidam de tesouros que encontram.

Descubro-me, pois, ancião. E entendo não mais ter direito de ficar tentando modificar, à minha maneira, isto ou aquilo. Nem mesmo como jornalista ou intelectual devo fazê-lo. Seria insistir na idiotice. Esperanças que cultivei não posso nem devo mais tê-las. Esperar é para quem tem tempo. E o escriba seria idiota se perdesse o que ainda lhe resta.

Recusando-se a ser idiota, um ancião, creio eu, tem o direito de fazer tolices. Estou decidido a cometer tantas quantas me tentarem. Apenas uma não irei repetir: amar outra mulher. Namorar, sim. Amar, não.

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