“In Extremis” (212) – Viver: bênção ou penitência?

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(Foto: Mohamed Nohassi / Unsplash)

Basta ter coragem para pensar. E, então, refletir. E, refletindo, decidir. Será, a Vida, bênção ou penitência? Dádiva ou castigo? Com a coragem de perguntar-se, a decisão dará significado e sentido à existência. Pois, o ser racional poderá, então, fruir o privilégio de ter nascido ou viver como se houvesse que pagar por erros não cometidos. Ora, acreditar em sermos responsáveis por ingratidões cometidas na alegoria de Eva e Adão é o mesmo que acreditar em fantasmas ou em trapaças de políticos.

A fé judaica deixou-nos como herança – que o cristianismo soube aproveitar – uma prece de gratidão que deveria sintetizar nossa visão de vida e de mundo: “Bendito sejais, Senhor do Universo, pelos frutos da Terra e pelo trabalho do Homem.” Nessa virtuosa gratidão, reconhece-se sermos, nós, os beneficiários do milagre da Vida. Basta ter-se humildade de inteligência e de coração para entender tenha havido uma Criação, o primeiro motor de Aristóteles, o “ex nihilo nihil fit” latino, o “nada surge do nada”.

Nas décadas de 1970/80, pensadores, cientistas sociais advertiam-nos sobre consequências que a já denominada “globalização” traria para a humanidade. Aconteceu o que eles previam. E temiam. A “globalização” levaria ao surgimento de um novo Império, o do domínio capitalista agora oculto no anonimato. Um terrível poder invisível que transforma povos apenas em “multidões”, em massa. Perdeu-se o “eu”, a pessoa humana. Consequentemente, acabará deixando de existir o “nós”. Tornamo-nos, assim e ao mesmo tempo, autores inconscientes e vítimas de um sistema escravocrata.

Não ignoro, não ignoro: quanto mais se pensa, mais se avolumam as dúvidas. E, com elas, inquietações. Surpresas sem fim. Vai daí, o aprendizado sussurra-me da tolice do “pensar na vida”. Uma inutilidade. Ora, o que se ganha em preocupar-se com os “como” e “por quês” da vida? Que disso cuidem filósofos e cientistas, inquietos quanto ao entendimento do início e fim do ser humano. Não tenho mais nada a ver com isso. Meu tempo de perder tempo passou. E, agora, estou no aprendizado mais de sentir do que pensar, mais de agradecer do que pedir. Sentir o Sol da manhã, o sabor de frutas, o perfume das plantas; sentir o amor por gentes queridas e, também, o desprezo por malfeitores que infernizam a vida dos que têm boa vontade.

Aliás, a referência a “infernizar” renova-me a alegria de saber que meu amado e saudoso pai tinha razão ao ensinar-me: “Filho, o Inferno não existe. Como Deus, sendo Pai, iria castigar um filho com condenação eterna? Vivemos para participar das maravilhas do universo. Quem estraga a criação é o próprio homem.” Quanta razão ele tinha! Pois, recentemente, essa personalidade singular, o Papa Francisco, esclareceu: “O Inferno não existe”. O que, de certa forma, deu razão a Sartre para quem “o inferno são os outros”.

Viver é experiência pessoal. São escolhas. Opções. Sábio seria quem soubesse aprender com a experiência alheia. Viver, porém, é, especialmente, a grande aventura. Pois, a Vida continua a ser esse mistério insondável. Cientistas, filósofos, religiosos exaurem-se em tentar entendê-la e explicá-la. Mas esgotam-se em seus próprios limites humanos. Por que, então, perder-se tempo e não fruir do pouco tempo dessa experiência única?

Para alguns, viver é penitência. Para outros, bênção. Privilégio, graça, dádiva. E, assim, caminhamos nós. Alguns lamentando-se, sofridos em seu negativismo. Até maldizem por estarem vivos. Outros, porém, agradecem pelo privilégio único de ser parte desse mistério gozoso. Axé!

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