“In Extremis” (211) – Ermelindo, amigo e companheiro

Ermelindo Nardin_3

Obra de Emerlindo Nardin. Gravura em metal color. 59 x 44 / 60 x 80 cm. Obra publicada no catálogo da exposição Ateliê Calcográfico Iole 15 anos. SESC São Paulo, 1995.

A morte de Ermelindo Nardin – outro que se vai de uma geração revolucionária – leva-nos, aos poucos que ainda ficaram, a reflexões intensas. E complexas, por alegres e dolorosas. Fomos um grupo de jovens piracicabanos violentados em nossos ideais pelo golpe civil-militar de 1964. Mas não nos venceram, não nos detiveram! Numa Piracicaba então palpitante de vida cultural, embriagada de paixão pela arte, houve uma juventude que teimou em viver seus sonhos e suas crenças. Ficamos adultos, envelhecemos. Mas o sonho não acabou.

Ermelindo Nardin fez parte tonificante daquela juventude transformadora. E, em mim, dói fortemente escrever sobre sua ausência física, sabendo, porém, da imortalidade de sua obra. Mas, ao mesmo tempo, vejo-me tomado por lembranças comovedoras de uma amizade que nos uniu desde a infância. Já sonhávamos juntos: Ermelindo, desenhando e pintando; este escriba, rabiscando letras.

Amizades indestrutíveis são, também, heranças familiares. A família Nardin e meus pais tiveram laços desde, pelo menos, a década de 1920. Meu pai, jovenzinho, trabalhava na marcenaria e carpintaria de “seo” Paulo Nardin, que viria a ser genitor de Ermelindo. Lá estava, também, o gênio chamado Eugênio, o Neno Nardin. E Ermelindo e eu – nascidos no mesmo ano, 1940 – herdamos a alegria daquela fraternidade. E, também, a paixão pelas artes.

Numa época em que a arte e a cultura são menosprezadas em Piracicaba, todos nós ficamos ainda menores com a perda de Ermelindo Nardin. Nas artes plásticas, ele foi revolucionário e o genial Pietro Maria Bardi – criador e diretor do Museu de Arte de São Paulo – foi exclamativo no prefácio ao livro de desenhos de Ermelindo, editado pelo próprio museu: “É um independente, impetuoso em certos desenhos; a fantasia arabesca (…) revela o prazer da rapidez.”

Na realidade, aqueles anos foram transformadores e tiveram, no jornal “O Diário”, um centro de resistência. Fomos uma geração de artistas e intelectuais que agitou o classicismo piracicabano. Ermelindo foi o introdutor da   Arte Contemporânea em nossa terra, provocando um conflito entre escolas artísticas, literárias. Nas artes plásticas, o expoente era o genial, mas dogmático, Archimedes Dutra. O modernismo irritava-o. E toda aquela revolução indignava Archimedes e seus seguidores. Ermelindo incomodava.

Um grande artista, porém, não é apenas a sua arte. E o sustentáculo de Ermelindo tem nome, vida, expressão: Celeste Sartori Nardin. Celeste – mulher e mãe de seus filhos – foi o sustentáculo que permitiu Ermelindo se afastasse da faina do cotidiano, da materialidade do dia-a-dia. E ele sabia disso. E era-lhe grato.

Que jovens narradores não se equivoquem mais. O Salão de Humor de Piracicaba foi iniciativa e criação de Ermelindo Nardin e Roberto Antônio Cera, o Cerinha. Afirmo-o, ainda outra vez – até quando, ó, céus? – por ter sido “O Diário”, do qual fui proprietário e diretor, que promoveu o primeiro evento. Ora, Ermelindo e Cerinha apresentaram-me o projeto em minha sala da redação. E toda a equipe – incluindo uma garotada que se iniciava no jornalismo – se mobilizou. Tudo o mais que contam é invenção, ressentimento ou inveja, sei lá. Que contadores outros dessa história procurem informar-se nas edições daquele jornal da época. Informar tem credibilidade apenas quando se vai às fontes. Que não roubem, pois, ao nosso falecido Ermelindo Nardin – e ao nosso vivíssimo Cerinha – a autoria de uma obra que chega aos 50 anos de sucesso. E nem a “O Diário”, que assumiu a santa loucura daqueles dois.

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