“In Extremis” (217) – “…lírios dos campos, avezinhas dos céus”

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(imagem: Rodrigo Cardoso / Pixabay)

Até as pedras devem lamentar-se das tolices humanas do chamado mundo cristão. Quando admiramos a notável ascensão da China, há os que a consideram fruto apenas de um regime e de um sistema político. A China, considerada comunista, adotou, na realidade, um singular “capitalismo de Estado”. Sua filosofia de vida, no entanto, é baseada em Confúcio, como, também, a de coreanos, japoneses, vietnamitas.

São sociedades formadas a partir da visão de mundo surgida cerca de 500 anos antes de Cristo. Ainda atualmente, citações e provérbios de Confúcio são lembrados como orientações de sabedoria. Um deles é-me especialmente inspirador: “Se seu plano é de um ano, plante arroz. Se o seu plano é de 10 anos, plante árvores. Se o seu plano é de 100 anos, eduque as crianças.”

Jesus vai mais além, propondo o amor entre os humanos e reafirmando a milenar “regra de ouro”, a de “não fazer ao outro o que não quer seja feito a si mesmo.” Tudo, pois, teoricamente tão simples! E, no entanto, ainda um sonho, um dos pilares da Utopia. Porém, talvez, mais grave. Pois, pode alimentar o desejo tirânico de “um só rebanho, um só pastor”. Que é, aliás e ao longo da história, a ambição de ditadores e extremistas. E seitas políticas, econômicas, religiosas.

Somos oito bilhões de seres humanos povoando e machucando a Terra. Nem mesmo os mais exuberantes sonhadores conseguiriam formular e propor soluções globais. A não ser as da violência e da escravidão. Que nos ameaçam, agora, com outros nomes e roupagens. Com toda essa hipnótica louvação à ciência e à tecnologia, não estaríamos aceitando o domínio de uma tecnocracia? Como não perceber a técnica ter-se tornado instrumento do poder político, econômico, militar, numa aliança nada sutil?

Já nos aproximamos do beco sem saída, do fim do túnel. E isso é bom. Pois tal circunstância anuncia o inevitável “eterno retorno”, a reação que o mundo dá a si mesmo. Há-se que morrer para renascer. Já se percebe o estado universal do insuportável. O clamor da Vida, o protesto cada vez mais gritante da Natureza acusam-nos de nossa irresponsabilidade humana. Denunciam-nos como irresponsáveis herdeiros de tesouros.

Mas não é o fim. Prenuncia-se o recomeço. Bastar-nos-ia recorrer às experiências ancestrais, a lições do passado. Pois este – contrariando os imediatistas – permanece vivo. É o nosso farol, a única referência crível que temos. Para o bem e para o mal. E ela nos chega não apenas através da ciência e das academias. Mas, também, pela voz do povo, das ruas, dos contos, das lendas. Ora, como esquecer a lição da formiguinha e do elefante? Lá estava o incêndio na floresta. Pequenina, a formiga ia até o lago e voltava, carregando uma gotinha de água para apagar o fogo. O elefante zombou: “Eu, com minha tromba, não consigo e você quer fazê-lo?” A formiguinha respondeu: “Eu faço a minha parte”.

Tudo, porém, é muito difícil. E confuso. Pensamos, quase sempre, em resolver pela totalidade. E nos esquecemos das pequeninas partes, mais simples e fáceis de serem atendidas. Aquela pequena multidão de desabrigados em nossas ruas pode ser socorrida pela comunidade. Ora, não nos é dado resolver o terror das economias devoradoras. Há que se começar por nós mesmos. Vencendo ganâncias, apetites.

A sabedoria foi-nos deixada há milênios. Uma delas – tão simples – convida-nos a “olhar os lírios dos campos, as avezinhas dos céus”. Lírios, nem Salomão se vestiu como sequer um deles. E as avezinhas “não tecem e nem fiam”. Mas a natureza as provê. Seria, o humano, um estranho no Paraíso?

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