“In Extremis” (221) – Guerras e bestialidade humana

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“A vocação humana para o bem reencontra seu ninho, que, aliás, é o antigo: a vida em família, em pequenas comunidades de vizinhos e amigos. E isso já poderia ter acontecido muito antes do caos que nos atinge. A esperança que desponta está numa palavra ainda tímida: comunitarismo.” (imagem: GenerativeStockAI / Pixabay)

Duvido haja quem – por idoso seja – tenha estado num mundo sem guerras. Aliás, um dos registros históricos confirma o quase interminável fratricídio na então chamada Arcádia, cerca de 2.300 anos antes de Cristo. Guerrear, pois, parece ser parte integrante da natureza humana. E não haverá como negá-lo se considerarmos guerra também como conflito. Milenar. Os irmãos Caim e Abel estão entre os pioneiros na confrontação.

Há momentos em que avulta a tentação de duvidar da viabilidade do ser humano como integrante do mundo natural. No entanto, a tentação se desfaz à simples lembrança de um Francisco de Assis, de uma Tereza de Calcutá. E da incontável massa de pessoas anônimas que semeiam o bem e a fraternidade. No entanto, não me considero suficientemente louco – pelo menos, por enquanto – para arriscar-me a discorrer sobre o bem e, inevitavelmente então, sobre o mal. Satisfaço-me com Platão, para quem o bem é como o Sol. E que, portanto, dá luz, dá vida, beleza.

Logo, há que ser estranho quem – à plenitude do Sol – optar ou procurar por nuvens carregadas, trovões e trovoadas, dias sem luz. E essa tolice existe. E, por mais passem séculos e milênios, persiste. Dói pensar. E esforço-me para não mais fazê-lo. Pois, quando penso, Fernando Pessoa adverte-me com sua sabedoria profunda: “Pensar é estar doente dos olhos.” E olhos doentes não enxergam.

Guerras são um dos mais vivos testemunhos da estupidez e da bestialidade que intoxicam os donos do poder. Pois são eles que as promovem, em fratricídios, mortes que fazem a humanidade inundar a terra de lágrimas. Miseravelmente, porém, eles sabem o que fazem: guerras dão lucros imensos. Para poucos. Heráclito, nas nascentes da sabedoria grega, já dissera: “A guerra é mãe e rainha de todas as coisas.”

Parece estar cada vez mais próxima a era em que não mais se alimentará a utopia da paz mundial, de um planeta em harmonia fraterna. O poder destruidor das novas tecnologias já lança por terra a velha esperança de fraternidade universal. A bestialidade venceu. No entanto, a vocação humana para o bem reencontra seu ninho, que, aliás, é o antigo: a vida em família, em pequenas comunidades de vizinhos e amigos. E isso já poderia ter acontecido muito antes do caos que nos atinge: nos condomínios, na tentativa comunitária.  Mas, com exceções, tem havido um isolacionismo garantido apenas por mais segurança, ainda que relativa.

A esperança que desponta está numa palavra ainda tímida: comunitarismo. A crueldade da economia de mercado livre chegou a seu limite. Ultrapassou-o. E, acontecendo, ressurge milenar intuição humana do “eterno retorno”. Que é, na realidade, a simples sabedoria popular de saber voltar quando o caminho não tem saída. E de recuar diante do buraco sem fundo. Ou ao entender não haja luz ao final do túnel.

Guerras, porém – com ou sem armas – são parte da ambição humana.  Simplificadas, elas existem nos conflitos de nosso próprio cotidiano: entre pais e filhos, entre patrões e empregados, entre cônjuges, entre vizinhos – pequenos, mas simbólicos retratos das tragédias universais.

O escrevinhador continua, pois, lutando para não pensar. E, por fim, entender esteja – o início da sabedoria – em olhar, em sentir, em admirar, em contemplar. Mas a história estimula a compreender o cansaço que levou nossos ancestrais a buscarem os mosteiros, os monastérios. Não havia como não se seduzir pelo “contemptu mundi”. E pela “fuga mundi”. E, então, tentar construir o mundo seu de cada dia. Árabes e judeus em guerra levam-nos a essa tentação…

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