“In Extremis” (222) – “Casinhas da Boyes”: ação, reação, maldições
Quando se discute a questão das “casinhas da Boyes”, parece – ao escrevinhador – ser-lhe necessário insistir em algo que lhe é significativo: ele começou suas atividades jornalísticas em 1956. Aos 16 anos. Num Brasil, então, pujante e esperançoso. E, na primeira administração de Luciano Guidotti. Lá se foram, pois, 67 anos nos quais aconteceram transformações inimagináveis.
O escriba, na realidade, quer, apenas, dar-se o direito de lembrar ter vivido e acompanhado a administração de muitos prefeitos. Desde Samuel Neves e Luiz Dias Gonzaga – quando do chamado “coronelismo” – até o atual. Tal vivência há que permitir, pois, ao idoso jornalista, estabelecer pelo menos algumas avaliações. Uma delas: de todos os prefeitos que conheceu, o mais despreparado tem-se revelado o atual. E isso era previsível desde a sua candidatura.
Para nós – de gerações anteriores – é-nos alentador constatar que, por mais se lhe altere o corpo, a alma piracicabana está viva. Pois, essa reação quanto aos destinos das chamadas “casinhas da Boyes” anuncia um renascimento da caipiracicabanidade que parecia desfalecida.
Auspiciosamente, o que parecia escondido começa a ser revelado. E a primeira observação do velho jornalista é simples: a questão é absolutamente de ordem política. E que os indiferentes não se atrevam à tolice de negá-la. Pois, quem se assume como cidadão torna-se, imediatamente, um ser político. O que mais despertou a indignação popular foi, na verdade, a inexplicável iniciativa da Prefeitura em – para o negócio ser feito – “destombar” um patrimônio “tombado”. Isso é, sim, motivo para suspeitas. E, agravada, por muitos saberem quem está na presidência do CODEPAC. Em resumo: o prefeito e alguns de sua frágil equipe vivem sob suspeição da comunidade mais bem informada.
Que possamos, pois, rever muita coisa. Pois “tombar”, mas descuidar é clara e objetiva omissão. Isso já ocorreu com o Engenho Central. E acontece, agora, com as ruínas da Fábrica Boyes. Mas quais desses atores sabem, realmente, o que é a Fábrica Boyes? Insisto em repeti-lo, mesmo cansado de tanto contar. É a fábrica de tecidos criada por Luiz de Queiroz com o nome de Santa Francisca, em 1876. De lá, ele, em 1882, instalou o que seria o segundo sistema telefônico do Brasil, ligando a fábrica à sua fazenda Santa Genebra.
Após esse nosso notável pioneiro, tornaram-se participantes da empresa personalidades como o nacionalmente reverenciado Brazílio Machado, criador do poema “Piracicaba” (1º de agosto de 1867), no qual surge o epíteto “Noiva da Colina”; Manoel Buarque Macedo, empreendedor biliardário que criou o “Jornal de Piracicaba” (1900); Rodolfo Miranda, homem público de dimensão nacional que alterou o nome para “Arethusina”, em homenagem à esposa Arethusa. E, em seguida, o grupo inglês dos Irmãos Boyes, que adquiriu grande área à beira rio, incluindo o Palacete também desprezado pelo poder público.
E há uma questão ainda especial, por assim dizer mitológica, parte de nossa cultura: aquela região é fantasmagórica! Lá estão o Cemitério dos Indígenas, a índia aprisionada nas águas do Salto, o Homem da Capa Preta, espaços de oferendas e mandingas noturnas. Quem duvidar que duvide. Mas acautelo-me recorrendo à sabedoria espanhola: “io no creo em brujas, pero que las hay, las hay.”
O insensato está em impedir que, por serem “tombados”, imóveis tenham que ficar sem uso, expostos à destruição pelo tempo, pela natureza. Que se exija preservá-los. Mas que os conservem, em uso coerente com sua história. E nada mais.
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