“Proibido jogar lixo”

Os que me conhecem sabem de minha incapacidade de organização. Consigo dizer que quase absoluta.  E de nada me adiantou advertirem-me de ser uma questão de treino, de vontade. Pois vontade, sempre a tive. E treino, já tentei inúmeras vezes. Rendi-me à minha incapacidade e até  aprendi a viver com ela. Basta, apenas,  ninguém mexer em minhas coisas.

É o caso – que diria ser-me pungente – da biblioteca. Sempre me disseram ser desorganizada, sem critério, bagunçada. O critério, porém, era  o meu e, por isso, eu sabia onde estava cada livro, qual a cor da capa, em qual estante. Parece-me que, a isso, chamam de “organização desorganizada”, mas não entendo dessas coisas. O fato é que, quando começaram a organizá-la, perdi o total controle, e a frustração chega a ser dolorida.

Há alguns anos, ganhei um dicionário que sempre consulto e de que cuido como um tesouro. Pois é,  verdadeiramente, um tesouro: o “Magnum Lexicum Latinum et Lusitanum”, editado em 1833, publicado em 1863, em Paris. O detalhe histórico: ele pertenceu a José Estanislau do Amaral,  pai de Tarsila do Amaral. Algo, em mim, sempre me falou devesse, eu, guardá-lo numa caixa de vidro. Ou de cristal. Nunca o fiz por, obstinadamente, precisar consultá-lo, uma fonte inesgotável de informações.

Pois bem. De repente, não o vi mais. Nas minhas bagunças, sempre soube onde ele estava. Ou na primeira prateleira à minha esquerda, ou numa das cinco mesas onde amontoo minhas coisas, a menorzinha. Foi desesperador não encontrá-lo. Xinguei, praguejei, esbravejei, não desisti de tentar achá-lo. Pedi ajuda a filhos. Mas foi tudo em vão. Comecei, então, a formular hipóteses, a criar até mesmo teorias conspiratórias. Vitimei até uma ex: e se foi ela, por vingança? Pior ainda, comecei a acreditar nessa possibilidade e o que restava de lembranças generosas se transformou em desejos mórbidos: de esganar, de torturar, de judiar até que o tesouro me fosse devolvido. Foram dois ou três meses de verdadeira angústia e apenas quem tem paixão por livros pode avaliar o sofrimento de um tolo perdedor. Maldisse quem o tirou de onde estava, ou por furto ou por querer arrumar minha biblioteca.

Então, aconteceu. Por simples acaso. Lá estava, o tolo escrevinhador, fuçando em busca de uns antigos caderninhos com escritos também antigos. E, então, seus olhos bateram na lombada de um livro que parecia escondidinho num canto, como que envergonhado dos demais. A esperança faz tremer as pernas, garanto. E as minhas tremeram. E a respiração ficou em suspenso. Seria ele? Era. E, então, agi como o pai do filho pródigo, que exulta com o retorno de quem pensara estivesse perdido: abracei-o, beijei-o.  Quase chorei.

Ora, terminou o espaço. E eu queria escrever, apenas, sobre o “é proibido jogar lixo”. Desculpem-me.

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