Anestesia coletiva
Um dos venenos da alma – incluindo a alma coletiva – é a apatia. Em explicação simples, apatia significa ausência de paixão, de entusiasmo. E isso parece estar ocorrendo de maneira global, contaminando, também, o povo brasileiro. Nem mesmo esse universo do espetáculo – que é desenvolvido, com engenho e arte, por meios de comunicação massivos – parece empolgar as pessoas. É como se a vida real não existisse a não ser em plano individual, em pequenos grupos. Ou, então, se a vida verdadeira se desenvolvesse nas telas de televisores, computadores, celulares, invenções fantásticas que, no entanto, se tornaram instrumentos viciantes.
Dois exemplos parecem evidentes para se tentar alguma análise. Ou, pelo menos, para refletir, já que a reflexão se tornou um exercício tão penoso que o ser humano parece estar também terceirizando-a. É como se, interiormente, se dissesse cada um para si: “Não vou pensar. Depois, procuro no Google.” Aconteceu com as Olimpíadas e acontece com os embates no Supremo Tribunal com os embates do que se chamou mensalão. A reação coletiva é de frieza, de distanciamento, de quase alheamento. Trata-se, no fundo, de um “tanto faz como fez”. Ou “as coisas são assim mesmo”.
A derrota do Brasil contra o México repercutiu como se fosse um jogo de botões e não como a final da disputa da honrosa medalha de ouro olímpico. Foi episódio rapidamente esquecido, enterrado, como se dizia antes, “sem choro nem vela”. E os debates no Supremo decorrem como algo banal ou corriqueiro, sem que a grande maioria da população – como provam os institutos de pesquisa – saiba de que escândalo realmente se trata, quais delitos foram cometidos. Uma outra frase, já comum na boca do povo, esclarece o desânimo: “No lugar deles, eu faria o mesmo.”
A apatia é o penúltimo passo após a perda da capacidade de indignação tanto das pessoas quanto dos povos. Parece ser uma forma de desistência, de derrota, de convencimento da impossibilidade de reação. No entanto, é um sintoma perigosíssimo na ordem social. Pois, o penúltimo passo conduz ao último, que é o da revolta, da rebelião, da violência coletiva, como está ocorrendo em países árabes, insuflados também por forças externas.
Esse não é um fenômeno novo. Acontece na alternância das gerações. O cansaço dos mais velhos induz à falta de perspectiva dos mais jovens. A quase absoluta ausência de lideranças fortes, respeitáveis permite o surgimento de uma zona cinzenta onde se esvai o senso de autoridade e se rompe a noção de hierarquia, contaminando valores e abalando princípios. A alegria se confunde com euforia; a festa virou farra; o amor é virtual.
O retrato amargo do Brasil como nação é que o povo, formado por multidões individualistas, começa a olhar para o seu próprio umbigo. E se perdem fundamentais traços de união nacional: os sentimentos cívicos, a capacidade de indignação, a crença no futuro, a noção de certo e errado. A apatia fortalece o relativismo absoluto. E quando um povo acredita em que tudo é relativo – sem apoiar-se em alicerces fundamentais – é chegado o momento do vale tudo. Isso acontece ciclicamente. E nossos ancestrais, diante do desânimo de uma época, ironizavam: “Restaure-se a moralidade ou nos locupletemos todos.” A apatia coletiva, por não avaliar quase nada, aceita tudo. Sem vibração e sem paixões legítimas.
Essa apatia porém é muito grave e não se esquiva em fazer comentários sobre a corrupção do país como se ela fosse algo abstrato e bem distante de cada um de nós. E mais, corrupção passa a ser a dos políticos e não a nossa, mesmo quando informamos mal nosso imposto de renda para pagar menos ou quando emitimos algum comportamento menos moral para aferir algum proveito. Por último, manipulados pela grande imprensa, fechamos conclusões apressadas e que rapidamente se transformam em certezas e concluimos que os males da sociedade existem, mas que nós nada temos com isso. Dolorosamente, a conclusão chega, irrefletida e tola: Os políticos são todos iguais. Corolário imediato: Tanto faz votar neste ou naquele político. E esquecemos, todos, de que acima de tudo somos cidadãos e que é um exercício da cidadania o escolher, da melhor forma possível, os que irão nos representar através de nosso voto conscente e refletido. Por isso que este trecho que transcrevo, deste artigo excelente de Cecílio, nos leva a uma série de reflexões: “A apatia é o penúltimo passo após a perda da capacidade de indignação tanto das pessoas quanto dos povos. Parece ser uma forma de desistência, de derrota, de convencimento da impossibilidade de reação. No entanto, é um sintoma perigosíssimo na ordem social. Pois, o penúltimo passo conduz ao último, que é o da revolta, da rebelião, da violência coletiva, como está ocorrendo em países árabes, insuflados também por forças externas.” Que nos sirva de aviso.
Exatamente. Quando pessoas pequenas fazem grandes sombras é porque a noite se aproxima, disse alguém. Estamos vendo o abandono do ser humano de si mesmo por si mesmo. Os anseios profundos da alma estão sufocados por toneladas de entulho de uma tecnologia que veio para resolver problemas que não existiam.
Aqueles que tem os olhos abertos e entendimento do momento que estamos vivendo, estão fazendo alguma coisa sim. Doando alimentos pra quem não tem o que comer ou vestir ou morar. Doa seu tempo pra conversar ou até mesmo ouvir os lamentos de quem sofre, por doença ou solidão. O problema não é a apatia é o não querer abrir os olhos e enxergar o que está acontecendo. Está crescendo a miséria humana em todos os sentidos, aqueles que tem demais também tem de menos, mais egoísmo menos embatia, mais indiferença, menos misericórdia, mais ganância menos caridade, mais cegueira e menos piedade. Os pequenos gestos farão as maiores mudanças. Senão no coletivo será individualmente. Deus que é soberanamente bom e justo olha e age por meio de nossos atos de amor por menor que seja. Precisamos fazer nossa parte, isso é imprescindível!