O beijo em Dercy.

Quase 100% dos brasileiros não existiam quando Dercy Gonçalves, a centenária, nasceu. E, nestes últimos 80 anos da vida brasileira, dificilmente houve alguém, minimamente informado, que não tivesse ouvido o nome dela, personalidade mítica, que dividiu o Brasil entre bem e mal, para, já idosa, ter-se mostrado acima do bem e do mal. Dercy Gonçalves, quem conhece um pouco de sua história, teve uma das vidas mais atribuladas de uma mulher brasileira. Desde a infância miserável na sua pequenina Madalena, prostituindo-se desde a adolescência para sobreviver e impor sua liberdade interior, tornando-se artista de circo mambembe, de espetáculos de “vaudeville”, de teatro das zonas boêmias de Rio e São Paulo e, enfim, dos grandes teatros brasileiros e do cinema e da televisão, Dercy Gonçalves é um símbolo brasileiro ao qual se deve todo o respeito. O maior que se puder. Dercy Gonçalves, mesmo nos tumultos de sua vida e no questionável do que fez e viveu, nunca, na verdade, se prostituiu, pois sua alma permaneceu fiel a valores que a transformaram em mãe e avó admiráveis.

No Carnaval de 2007, Dercy Gonçalves, a centenária, saiu no bloco carnavalesco carioca da qual é madrinha há quase 40 anos, o também mítico “Galo da Madrugada”, que percorre as ruas do Rio na quarta-feira de cinzas. E os meios eletrônicos de comunicação divulgaram uma foto preciosa de André Müzell/Futura Press, no jornal “Terra”, em que um folião beija, com um “selinho”, Dercy Gonçalves. Na verdade, penso o folião ter feito a Dercy, o que os brasileiros todos queremos fazer e deveríamos tentar: um beijo de agradecimento. Por sua vida, por sua alegria, pela sua fé imbatível neste país, apesar do que sofreu e das injustiças de que foi vítima.

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