“Quousque tandem, excelência?”

No já longínquo ano de 1982, acreditei num jovem político que contava, então, apenas 32 anos. Ele era bonzinho, educado, tinha sido, na infância, aluno de piano de uma de minhas irmãs. Era filho de amigos queridos de meus pais: José Abdalla Thame e dona Carolina. E eu não me esquecera de quando, 20 anos antes, “seo” Zé Abdalla levara o menino Antônio Carlos à redação da “Folha de Piracicaba”, da qual eu, nos meus verdes 20 anos, já era diretor. Parentes da família Thame tinham o Café Broadway, na rua São José, próximo ao então Cine Broadway, às frente do qual meu pai tinha um misto de frutaria e bar, o “Tufiniquim”. Tempos amargos e difíceis, de dores e luto. E minha família morava numa casa pequenina e pobre onde, hoje, está a garagem subterrânea da Praça José Bonifácio, em frente ao Banco Bradesco.

Thame era bonzinho. Sempre foi. Sua delicadeza era tanta que até dona Carolina costumava desculpar-se por ele. Ele simbolizava o “bom filho”, o “bom rapaz”, só não afirmo fosse o “genro que gostaríamos de ter” por indefinições e ambigüidades que sempre o emolduraram. Mais do que esfinge, a imagem que sobrará de Thame é a da ambigüidade. E, portanto, algo ancestral. Pois, nesse sentido, a ambigüidade com aparência andrógina é um privilégio: o ser duplo, no qual o feminino e o masculino se unem ainda que busquem separar-se. Platão já nos ensinara, em “O Banquete”, que o andrógino, no tempo dessa espécie, era “um gênero distinto que, pela forma ou pelo nome, aparentava-se aos dois, tanto ao macho como à fêmea.”

Thame, pois, além de bonzinho, era um mistério. Quando, em 1982 – e eu era, então, um preso domiciliar – decidi apoiar a candidatura daquele jovem estranho para enfrentar o já definido Adilson Maluf, assumi aquela estranheza, o desconhecido. Mas – além de misterioso, ambíguo e gélido – Thame era bonzinho. E podia ser apresentado, então, ao povo de Piracicaba como o moço das “mãos limpas”. Abri-lhe as portas de “O Diário”, sem nada lhe cobrar. Convoquei meus melhores profissionais e, então, Roberto Caran – um dos maiores publicitários que por aqui passaram – criou o “slogan” que marcou a candidatura do moço bonzinho: “Thames aí”.

Thame perdeu. Nunca soube agradecer o esforço que fizemos para lhe fortalecer a imagem, mesmo porque, à véspera do dia da eleição, eu lhe disse, na casa, a minha, onde eu estava asilado e exilado: “Tomara você não vença, pois você tem tudo de um Hitler”. Foi a conclusão a que chegáramos, diante da frieza, da gelidez, das negociações obscuras que Thame fazia – inclusive com Barjas Negri, então secretário municipal e assessor de João Herrmann Neto. Era a terrível contradição: Thame, bonzinho e de “mãos limpas”, era apresentado como o oposto ao então “mar de lama” atribuído a João Herrmann. Mas, em cada madrugada, ele negociava com Barjas Negri. Perdeu para Adilson Maluf. Sei lá o que o povo quis dizer, então.

Roberto Caran, como profissional experiente e vivido, insistiu em saber, de Thame, quais poderiam ser seus pontos fracos naquela campanhado “Thames aí”, das “mãos limpas”. Roberto Caran precisava saber, para criar defesas, preparar ambientes e climas, como faria qualquer publicitário ou advogado de defesa. Mas Thame não respondeu. Já contei isso antes.

O fato é que de Antônio Carlos de Mendes Thame – apesar de velhas corocas e de gente cansada e de uma elite anestesiada para pensar, a não ser pensar contra Lula – não se pode mais dizer de “mãos limpas”. Há muita gente que sabe disso, especialmente em uma certa imprensa provinciana local que – repetindo Maria Antonieta – manda o povo comer brioches, à falta de pão. Parece um destino. E Thame tem a doçura das pombas e a esperteza das raposas, para circular por tais ambientes.

Recordo-me – apesar de minha querida Ladice Castillon não gostar sequer de lembrar-se disso – da infinita tristeza, da doce amargura do inesquecível Salgot Castillon, quando Thame o convenceu a ser seu candidato a vice-prefeito. Foi uma ofensa. Mais do que isso: uma profanação. Salgot Castillon, vencido o tempo de sua traumática e injusta cassação de direitos políticos, era o candidato natural à prefeitura de Piracicaba, o ídolo que retornava, o herói que cumprira sua jornada. Thame usou-o. E Salgot, um homem quase santo em sua idade madura, aceitou a injustiça como se a humilhação fizesse parte de seu martírio.

Thame é um político, no Brasil, ao nível de qualquer outro dos que foram arrolados nos escândalos de corrupção.

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