A “Noiva da Colina” e o véu
O epíteto “Noiva da Colina” foi dado a Piracicaba por Brazílio Machado Neto, então promotor público em Piracicaba e intelectual dos mais renomados. Poeta, escritor, Brazílio era filho de Alcântara Machado, grande escritor nascido em Piracicaba. Foi num célebre poema a que ele deu o nome “Piracicaba”, publicado, pela primeira vez, na antiga “Gazeta de Piracicaba”, em 1º de janeiro de 1886.
É nesse poema que Brazílio Machado fala do “véu da noiva”, que é o “manto da neblina” das noites piracicabanas. Historicamente, é importante acentuar a origem do “Véu da Noiva” pelo fato de, nos últimos tempos, ter havido versões equivocadas que apontam o “véu” como a queda d´água do córrego do Mirante, logo abaixo do salto.
Segue poema de Brazílio Machado:
“NOIVA DA COLINA”
Sacode os ombros nus, ó Noiva da Colina,
Que a luz da madrugada encheu o largo céu;
E arranca-te das mãos o manto da neblina,
Que ondula sobre o rio, enorme e solto véu.
Ergue-te, ó Noiva! A aurora acorda e orvalhava os ninhos,
Beija o vasto horizonte e a pequenina flor:
Levantam-se no espaço, em bando os passarinhos,
Descem de além, frescura, luz e paz e amor.
Aberta pelo vento, a humilde palmeira
Agita o verde leque em fundo todo azul,
Como o cocar do índio, em pé na cordilheira,
Se abrir em pleno ar, à viração do Sul.
Envoltas pela noite, as pérolas celestes,
Se deixaram levar a outras amplidões;
Mas eis que surge além, entre doiradas vestes,
O sol bordando a ti de mágicos listrões.
Desperta, ó índia, ao sol! O rio o corpo estende
E anilado a teus pés vai múrmur se quebrar .
Ai! Vendo que a alvorada em sonhos te surpreende,
Nest´hora em que parece à terra o céu baixar.
O Rio é teu amante. Irrompe entre colinas,
Como o jaguar que avista a companheira e vai.
Mas vendo-te, ao chegar, quão bela te reclinas,
Estaca de repente, e a fúria o arroja, e cai!
E a fúria o arroja e cai. De precipício ao fundo
Atira o corpo e cava as pedras a bramar;
E espedaçado sobe, e espedaçado afunda
No abismo que se alarga e tenta-o sufocar!
E o dorso bate à pedra, enraiva-se a torrente
Que em cascatas do “trono” erguido resvalou.
E salta a espuma branca, em chuva alvinitente,
Onde o íris do céu em curva se formou.
Pela boca do abismo as águas repelidas
Enchem a vastidão do ronco atroador;
E rolam pelo rio a plagas não sabidas
Os murmúrios da onda, a voz do “Tombador”.
Depois, abre-se a cava enorme, onde o combate,
Só n´o conhece o rio e o abismo que o atrai.
Em baixo ferve a luta. A onda à cova bate.
Por cima a calma fria. A onda sobe e vai.
A onda sobe e vai serena, extenuada,
Depois de pelejar, perde-se além, além.
E sente à tona d´água a quilha já cansa,
Trazendo o pescador que rio acima vem.
E tu, formosa índia, em pé sobre a colina,
Sentes da onda azul o lânguido bater,
Enquanto sob o véu da trêmula neblina
Ruge a cascata além, sem vir interromper.
Sem vir interromper a paz em que te embalas,
O amor, a luz, a graça – adornos que são teus!
Cercou-te o criador de peregrinas galas.
Deu-te uma terra em flor, cheios de luz os céus.
Deu-te o horizonte azul que tem minha terra,
Minha terra natal, meu ninho encantador.
Só a c´roa não tens dessa saudosa serra
Que cerca em meu país a várzea toda em flor.
A tua noite envolve as mesmas estrelinhas,
A mesma poesia, a mesma luz divina;
Como lá, em bem sei, o bando de andorinhas
Aqui recorta o céu, na hora vespertina!
Deixa-me, pois, que eu sonhe, ao ver-te reclinada,
Banhando os alvos pés, no rio n´onda azul,
Que eu sonhe a minha terra, a pérola dourada,
Suspensa longe. longe. entre as névoas do Sul!
Autoria: Cecílio Elias Netto
Conteúdo: Memorial de Piracicaba, de Cecílio Elias Netto – almanaque 2000
Muito LIndo este poema….