Um equivocado “véu da Noiva”

Os tempos se renovam, como a serpente cuja pele se vai trocando à caminhada da vida. A troca de pele não muda a serpente. E a renovação dos tempos não tem o dom de alterar a história, a não ser que por equívocos, desinformação ou deliberada má fé. Ou por preguiça de saber. E é esse, talvez, o grande desafio que as sociedades enfrentam na mudança de gerações, umas substituindo outras: a falta de transição, o atropelo de uma passagem sem a transmissão de herança de uns para outros. Ora, os sem herança chegam a acreditar que o mundo e a vida começam a partir deles. E fazem tolices.

Em Piracicaba, há uma generosa e providencial mudança de comandos, surgimento de novas lideranças, em empresas familiares, em instituições e, também, no jornalismo. Há sinais de renovações também políticas, com novos nomes surgindo, alguns deles trazendo esperanças de ainda estarem poupados da corrupção do poder. Os novos tempos do etanol, da nova explosão do álcool, da tecnologia que Piracicaba domina das fontes renováveis de energia são um estímulo novo e dinamismo retomado. Mas há o perigo de sempre: a transição mal feita, a história desvirtuada, as origens esquecidas.

No universo das comunicações – justamente por sua natureza irradiante – os equívocos se tornam mais evidentes, acentuando erros e informações deturpadas que comprometem a formação de estudantes, de pesquisadores e da própria cidade. Um deles, que salta aos olhos por ser o mais repetido, diz respeito ao “Véu da Noiva”, que até mesmo informativos oficiais dizem ser a pequena cachoeira que cai sobre o rio, do Canal do Mirante, ao lado do Salto. Por mais bela seja – e ela é, quando as águas são generosas – não se trata do “Véu da Noiva”, um erro de informação que atinge em cheio um dos nossos patrimônios históricos, que é o nome “Noiva da Colina”, poético e imortal. Não se pode contaminá-lo com má informação ou com desinformação, algo que está ocorrendo já alguns anos.

E, mais uma vez – confesso ter pedido a conta de quantas tentativas fiz – tento colaborar não apenas com colegas de profissão ou com jovens intelectuais animados com novos tempos, mas especialmente em respeito à história de Piracicaba. “Noiva da Colina” é a inspiração maravilhosa que o notável poeta e um dos criadores da Academia Paulista de Letras, Brazílio de Alcântara Machado, teve ao escrever seu poema imortal, “Piracicaba”. O poema foi inspirado em outra grande obra poética, “O Salto”, de Francisco Lagreca. Deixando Piracicaba, Brazílio Machado criou a imagem da “Noiva da Colina, do véu, o “véu da Noiva”, no poema publicado pela primeira vez em 1º de janeiro de 1886, na antiga “Gazeta de Piracicaba”.

Os versos históricos dizem:

“Sacode os ombros nus, ó Noiva da Colina,

Que a luz da madrugada encheu o largo céu.

E arranca-te das mãos o manto da neblina,

Que ondula sobre o rio, enorme e solto véu…”

Que, em respeito a símbolos imortais, haja mais cuidados com a história de Piracicaba. E mais humildade para, antes de informar, informar-se. Bom dia. (Ilustração: Araken Martins.)

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