Ripolianas*(11)

Se é verdade que, sem o Ripoli, o mundo ficou mais calmo, sereno – minha vida, também – o fato é que, sem ele, se tornou menos divertido. Desde que o Ripoli morreu, tento, por exemplo, dormir sossegado, na esperança de que ele não irá me telefonar de madrugada. Ele se deitava às oito da noite, acordava às três da manhã; eu dormia às quatro, Ripoli me acordava às cinco. Há noites, ainda hoje, em que me deito desassossegado: e se o Ripoli me telefonar? Com ele, tudo foi possível. Deve ser ainda agora.

Até tempos eleitorais, sem o Ripoli, são mais calmos. E, também, mais chatos. Na sucessão do Adilson Maluf, em 1976, as bruxas continuavam à solta em Piracicaba. E – depois de tantos anos e de muito pensar – quase acredito a cidade ter-se infestado de pó de mico ou que, então, dera ataque coletivo de excesso de testosterona na mundo masculino. Pois ninguém se aquietava, ninguém se entendia, confusão total. E lá estava o Ripoli candidato a prefeito, outra de minhas invenções.

Com o “Nhô Quim” tendo-se tornado vice-campeão paulista de futebol – o primeiro clube interiorano, até então, a conseguir tal feito – a popularidade de Ripoli, já contei, impressionava. Ele fingia não querer ser candidato, fazia charme. E as pesquisas iniciais eram estimulantes, dando-o como imbatível numa eleição à prefeitura. Não perderia para ninguém. A não ser para si mesmo. Para sua língua incontrolável.

A confusão era total. Todos brigavam entre si e com os outros. Ripoli, como um escolhido dos deuses, ficava à porta do Banespa – na rua Moraes Barros – fazendo cigarrinho de palha, esperando cumprimentos. Era como se ele fizesse um favor a Piracicaba em sendo candidato. Parecia dizer: “Piracicaba merece Ripoli”. A vaidade ripoliana se transformou em arrogância. E a arrogância, em petulância. Repetia-se o que os antigos já sabiam: quando os deuses querem destruir um homem, enlouquecem-no pela vaidade. E aconteceu.

As pesquisas não se alteravam: Ripoli, o favorito; a Arena, partido vitorioso. Isso era tão sério que até o José Borghesi – candidato a vice na chapa de João Herrmann – declarara: “meu voto é do Ripoli”. A campanha de Herrmann era leve, despretensiosa. Foi quando Ripoli inventou de brigar com os padeiros. Prometeu criar padarias municipais, que o pão sairia quase de graça para o povo. De um dia para outro, cada padeiro, cada entregador de pão passou a fazer campanha contra Ripoli. E ele, fazendo cigarrinho de palha.

Os primeiros sintomas chegaram: Ripoli caía, Jairo Mattos crescia. Não acreditando, ele resolveu fazer sua própria pesquisa. Ia à Rodoviária, perguntava às pessoas: “Seu voto para prefeito.” E elas, gentis, vendo-o pessoalmente: “Ripoli.” Com os papeizinhos na mão, voltava à redação, como se quisesse esfregá-los em meu nariz: “Tá vendo? Pesquisei um por um, todo mundo vai votar em mim.”

Brigado com Adilson, prometeu: “Vou demitir os engenheiros da prefeitura.” Diante de alguns aplausos, Ripoli entusiasmou-se: “Vou demitir funcionários também.” O funcionalismo resmungou, ele explicou: “Só uns 200.” Os adversários gostaram, Ripoli não percebeu, delirou: “Anotem aí: vou demitir 1.500 funcionários da Prefeitura.”

O MDB venceu a Arena por apenas 86 votos, Herrmann se elegeu. Riopoli perdeu para si mesmo. E culpou a imprensa.

*A série denominada Ripolianas é republicada para constar dos arquivos de A Província.com

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