O sonho de Manoel Gomes Tróia (Final)

A realização do sonho

Ao se iniciar o século XXI, Piracicaba contava 328.312 habitantes, tendo, na década anterior, um crescimento médio de 1,68%, inferior a algumas cidades da região como, por exemplo, Limeira (2,08%), Americana (1,93%), Santa Bárbara d’Oeste (1,84%), Rio Claro (2,29%).1 Ao mesmo tempo em que havia problemas e dificuldades, as perspectivas – a partir do desenvolvimento biotecnológico e do estímulo aos agronegócios – eram otimistas, confirmando-se em janeiro de 2004, quando o sr. Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, instalou o Pólo Nacional de Biocombustíveis e, também, a Fundição do Grupo Dedini, considerada a maior da América do Sul.2

O quadro do qual fazia parte a UNIMED-Piracicaba, presidida por Paulo Falanghe em 2001, mostrava, porém, uma cidade e um município consolidados, apesar de alguns problemas. Na área de educação, havia 50.900 crianças matriculadas no ensino fundamental, alunos entre 7 e 15 anos, da primeira à oitava séries. No ensino médio, de 15 a 18 anos, havia 16.860 alunos, além de 3.604 em cursos profissionalizantes. Em 33 bairros, atendia-se a 1.300 alunos em 40 salas de alfabetização.

Na área de saúde, Piracicaba aderiu ao modelo do Sistema Único de Saúde, com uma rede ambulatorial de 60 unidades conveniadas: 53 próprias do município, três filantrópicas, uma privada, uma universitária e duas sindicais. Segundo tais dados, Piracicaba possuía, no ano 2.000, uma unidade básica para cada 8.050 habitantes. Os leitos hospitalares somavam 680, num índice de 2,06 leitos/1000 habitantes, sendo que 288 deles eram de hospitais filantrópicos e 392 para atendimento a pacientes privados (não SUS). Em 1998, a taxa de mortalidade infantil fora de 20,5 mortes por mil nascidos, menor do que a média estadual paulista, de 24,1. Em 2.000, caíra para 13,2.

Neste ano, relatórios oficiais apontavam como pontos fortes na saúde em Piracicaba a excelência dos serviços cirúrgicos do município, com destaque para os serviços de alta complexidade, como cirurgia cardíaca e transplante renal, além de hemodinâmica, hemodiálise, tornadas referência regional e estadual, e a alta resolutividade de seus hospitais. A UNIMED-Piracicaba, em relatório referente ao ano 2002, anotava o expressivo número de 17.759 internações, além de 533.681 consultas em todo o sistema em Piracicaba. Os usuários ativos na egião chegavam a 133.302. (3)

Uma nova UNIMED

Se o de Manoel Gomes Tróia fora um sonho, este começava a mostrar-se cada vez mais real ao encerramento do segundo mandato da diretoria presidida por Paulo Tadeu Falanghe, quando se aproximava o 33º aniversário da UNIMEDPiracicaba. Os mais modernos procedimentos chamavam a atenção dos usuários, como ocorreu com a maternidade do Hospital, a partir de 2002, quando passou a oferecer o sistema de alojamento conjunto, permitindo que mãe e bebê ficassem juntos as 24 horas, desde o nascimento. O sistema foi ampliado em 2003, quando os quartos passaram a ser climatizados, com chuveiro aquecido para as mães, cuba para banho do bebê, produtos higiênicos, acompanhamento médico diuturno.

O programa de visitas domiciliares obteve sucesso imediato, tão logo iniciado no ano 2000. Uma equipe composta por médicos, uma enfermeira, uma técnica de enfermagem, duas auxiliares de enfermagem, uma fisioterapeuta, uma assistente social, uma secretária e motorista atenderam, até janeiro de 2004, a exatos 1.999 usuários. E uma pesquisa realizada entre as pessoas atendidas4 indicou que 80% dos pacientes atendidos qualificaram como excelente o “apoio recebido pela equipe, o respeito com que a equipe os tratou, as orientações recebidas

as reuniões de cuidadores, as dúvidas resolvidas por telefone”, aliando-se isso ao fato de o serviço ser gratuito.

Ao final do ano de 2002, o Programa de Saúde Ocupacional contava 260 empresas conveniadas, com mais de seis mil usuários. Eram, à época, dez especialistas em Medicina do Trabalho em Piracicaba, um em São Pedro, um em Tietê e dois em Laranjal Paulista. Os equipamentos disponíveis eram eletrocardiograma, sala de audimetria, teste de visão e dinamometria. Além, dos exames com trabalhadores, o programa dispôs-se a apresentar, também, recomendações quanto a mudanças de processos, produtos químicos utilizados, etc. Por sua vez, o Projeto SOS UNIMED, ainda em 2002, realizou 1.720 transportes de pacientes, entre transportes simples, monitorados e intermunicipais, equivalendo a uma média mensal de 143 atendimentos.

Um relatório significativo

Ao encerramento de seu mandato, a diretoria presidida por Paulo Tadeu Falanghe pôde apresentar um relatório de realizações mostrando o novo perfil da Cooperativa, que se expandira a ponto de suplantar o sonho idealizado por seus fundadores. Criou-se o Plano de Saúde regional, no qual passaram a ser encaminhados a Piracicaba apenas os usuários que necessitavam de especialidades não existentes na cidade de origem; criaram-se o Unikids, plano jubileu infantil, incluindo cobertura de vacinas, e Huniversitário, para atender estudantes, chegando a 383 usuários em 2001.

A criação, também em 2001, do Serviço de Atendimento ao Cliente (SAC) permitiu uma maior integração entre médicos, hospital e usuários. Em 2002, o serviço registrou 425 reclamações, 35 sugestões e sete elogios. Em Piracicaba e na região, a UNIMED podia envaidecer-se de ter dez postos de atendimento. Mais ainda: saindo de uma dívida bancária de R$1.755.027,26 ao final do ano 2001, os números, em dezembro de 2002 eram significativos: saldo positivo de R$76.780,51 e um superavit financeiro de R$1.8331.807,77.

No quinqüênio 1998-2002 foram investidos R$798.747,00 em melhoramentos do hospital, mais R$495.148,00 nas sedes das cooperativas. Desde a sua criação e ao longo de sua existência, a UNIMED-Piracicaba temse voltado para o fortalecimento dos benefícios médicos. Em 2002, o responsável pela assessoria de benefícios médicos era o pediatra José Mário Angeli. A Previdência Privada (PGBL) corresponde ao auxílio aposentadoria a todos os cooperados que ingressaram na UNIMED, sendo que o valor da fatura que a Cooperativa pagava, em benefício a todos os cooperados, era de R$ 34.948,41 mensais.

Além desse benefício, instituiu-se, também, o auxílio funeral, direito aos familiares do médico cooperado em caso de falecimento, para despesas com funeral além de atendimento legal. Nos anos de 2001 e 2002, tais auxílios atenderam a 29 dependentes de médicos falecidos, num valor de reembolso de R$ 58.582,73. Por outro lado, o seguro de vida foi substituído pela contribuição aos familiares, que corresponde a cinco consultas descontadas de todos os cooperados, totalizando, aproximadamente, R$ 75.000,00, no ano de 2002.

O plano de assistência médica ao cooperado foi regulamentado no ano de 2000, cobrindo também cirurgia plástica estética, cirurgia de miopia a laser, próteses/órteses, lente intraocular até 170 dólares. A assistência odontológica foi regulamentada em 2002.

Em direção a 2005

Estabelecido o Plano Diretor para o ano de 2005, a diretoria presidida por Paulo Tadeu Falanghe estabeleceu as metas e propostas: ter 100% dos cooperados exercendo suas atividades num processo de fidelidade societária; ter 100% dos serviços hospitalares, dos cooperados e dos prestadores de serviços certificados; implantar protocolos clínico-cirúrgicos para 100% das especialidades, com pelo menos seis policlínicas em funcionamento; ligar, “on line”, a totalidade dos cooperados com prontuários eletrônicos implantados; ter 100% dos planos de saúde proporcionando prêmios de participação em programas de medicina preventiva; atingir a marca de 220 mil clientes assistidos pela UNIMED Piracicaba e ter 5% do total de colaboradores com pessoas portadoras de deficiências.

“O futuro sustentável”

Ao encerramento dos seus dois mandatos, presidindo a diretoria da UNIMED- Piracicaba, Paulo Tadeu Falanghe fez a síntese de todo o trabalho: “a meta das duas gestões foi o futuro sustentável da cooperativa”.5

Segundo Falanghe, seu primeiro mandato foi dominado pela preocupação com a gestão financeira, buscando-se a profissionalização da Cooperativa. Para tanto, criaram-se duas assessorias: uma financeira e outra para viabilizar a reestruturação organizacional. O destaque, ainda segundo Falanghe, deve ser dado ao processo de informatização: “Temos um sistema de informática considerado dos mais avançados em administração de planos de saúde”. E, no segundo mandato, os principais esforços foram no sentido de estabelecer o plano diretor para os próximos cinco anos.

À véspera de entregar o cargo, apoiando o seu sucessor, Euclydes Montagnani Jr., de cuja diretoria seria vice-presidente, Paulo Tadeu Falanghe apresentou a radiografia final de suas duas gestões. Era assim, a UNIMED-Piracicaba que ele entregava aos cooperados: com 133.271 usuários, 476 médicos e 537 funcionários, sendo 391 no hospital e 146 nas cinco sedes administrativas; 10 vendedores; 10 postos de atendimento, sendo 4 em Piracicaba e os demais em São Pedro, Charqueada, Rio das Pedras, Laranjal Paulista, Cerquilho, Tietê. O número médio mensal de internações era de 1.420; de consultas em consultório, de 36.720 e de consultas em pronto-socorros, de 5.146. Eram onze os hospitais, sendo um hospital próprio e dez contratados. Cerca de 80 mil documentos (guias de serviço) eram processados por mês pelo setor de faturamento.

Aos cooperados, despedindo-se, Paulo Tadeu Falanghe encerrou sua prestação de contas, prognosticando:

“Com certeza, a UNIMED Piracicaba do futuro tem uma definição e horizontes já determinados no presente, fazendo com que o passado inseguro e sem projetos de outrora seja apenas recordado ao se verificar as propostas de trabalho da ‘UNIMED para os Cooperados’ na eleição de 1997 e ‘UNIMED – Futuro do Cooperado’ na eleição de 2000, propostas todas cumpridas. Que Deus continue abençoando nossa cooperativa médica.”6

Valorização e segurança

No dia 25 de março de 2003, na Casa do Médico, as eleições gerais da UNIMED Piracicaba contaram com a totalidade dos 476 cooperados, reunidos em assembléia geral. Com a proposta “Valorização e Segurança do Cooperado”, o médico Euclydes Montagnani Jr. foi eleito presidente, ao lado de homens com os quais se propôs a dar continuidade à saga da UNIMED-Piracicaba.

Cooperado desde 1990, Euclydes Montagnani Jr. exerceu as funções de auditor hospitalar e procedimentos médicos, assumindo a superintendência da Cooperatíva até o ano 2000, quando foi eleito vice-presidente e diretor comercial da diretoria presidida por Paulo Tadeu Falanghe. Suas palavras e seu propósito foram ouvidos pelos cooperados que, naquele dia, lhe entregaram o comando dos destinos da UNIMED-Piracicaba, já adulta e madura em seus 33 anos de existência:

“Hoje, considero-me qualificado para este desafio e estimulado a transformar um projeto pessoal em uma grande realização coletiva. Que os cooperados compreendam minha intenção de continuar, agora imprimindo a minha linha de trabalho, apoiada por respeitáveis nomes desta Cooperativa, a intenção de mantê-la viável, forte e, principalmente, capaz de satisfazer a todos os seus cooperados”.

No dia 26 de março de 2003, iniciava-se um novo tempo da UNIMED-Piracicaba. Lutas, divergências, conflitos, esperanças, sonhos, sacrifícios, toda uma epopéia acontecera, dando frutos e permitindo a colheita. Abria-se a esperança, também, de um novo Brasil. A UNIMED-Piracicaba, profissionalizada e madura, acolhia seus novos líderes: Presidente, Euclydes Montagnani Jr.; vice-presidente, Paulo Tadeu Falanghe; superintendente, Tufi Chalita; tesoureiro, Wadih Neira Sélios. Vogais: Jorge Luís Angeli, Mariângela Di Donato Catandi, José Annicchino, José Henrique Mello Freitas, Henrique Crispin Insaurralde Costa. Delegados: Augusto Muzilli Jr., Gilberto Pettan, Paulo Tadeu Falanghe. Conselho técnico: Ronaldo Moschini da Silva, Segirson de Freitas Jr., José Augusto Ayres Hanstd, João Maurício Pauli, Antônio Sérgio Aloisi, Ana Lúcia Leistner, Álvaro Manoel Antunes e Ary de Camargo Pedroso Jr.. Conselho fiscal: Djalma Sampaio Filho, Francisco Petito Vieira, Raimundo Sant’Ana e Marcelo Costa Régis do Amaral.

A loucura dos pioneiros dera certo. A loucura de Manoel Gomes Tróia fora fulgurante lucidez.

 Conclusão do autor

Este livro, inédito em versão impressa, foi entregue pelo autor à diretoria que, após muitas e novas confusões, substituiu a de Euclydes Montagnani Jr. Novas crises, novas divergências – como se fosse esse um estigma da Unimed e, talvez, das cooperativas e grupos médicos – surgiram, não sendo, mais, no entanto, parte da pesquisa do autor, encerrada naquele ano.

A Unimed-Piracicaba, no entanto, tornou-se uma pujante realidade, com inestimáveis serviços prestados à comunidade, uma cooperativa que avança como que ainda impulsionada, movida e inspirada pelo sonho de Manoel Gomes Tróia. Não fosse a luta heróica de Tróia, o seu visionarismo e aquilo que chamaram de “loucura”, nem Piracicaba e nem o Brasil conheceriam uma instituição de tal porte, com tal significado social e com tantos serviços prestados ao povo piracicabano e brasileiro.

No ano de 2007 – quando este livro fica registrado no universo da internet – colhemos as impressões de Manoel Gomes Tróia, cujo olhar permanece vivo, límpido e brilhante , talvez o mesmo de quando, como “príncipe pobre”, sonhou, viu, anteviu, enxergou essa notável construção. Como, hoje, Manoel Gomes Tróia vê a Unimed, “filha da APM, minha filha por adoção?”

Tentanto manter a frieza com que quis se lhe marcasse a personalidade, Tróia não consegue, porém, disfarçar a emoção. É a alegria de um homem idoso que, como se olhando o desfilar da vida, se sente recompensado. E, então, feliz, o rosto iluminado, Manoel Gomes Tróia – o menino pobre que se tornou líder – fala com os lábios, mas as palavras lhe vêm do coração:

– Sou um homem feliz. Vi realizarem-se duas utopias, pelas quais fui chamado de louco: o hospital e a Unimed. E me sinto recompensado. Porque mesmo aqueles que me combateram, não compreendendo inicialmente a dimensão do sonho, foram os que mais lutaram e trabalharam para que ele se realizasse. Pena que a exclusividade da cooperativa não aconteceu, pois ela uniria ainda mais a classe médica e mais valorizaria o nosso trabalho. Mas prevaleceram os dois pilares fundamentais: a livre escolha e a humanização.7

O olhar de Tróia parece vagar em busca de algo no passado. E percebe-se: ele pensa nos que se foram. Não sei se é homem de oração. Mas fala, como se orasse: “Não poderei jamais me esquecer dos sindicalistas. Foram os sindicatos que mantiveram a base para a Unimed consolidar-se.

Notas

1 “Como está Piracicaba?”, publicação da Secretaria Municipal de Turismo da Prefeitura Municipalde Piracicaba, 2001. Os demais dados referentes a Piracicaba, neste capítulo, pertencem àmesma publicação.

2 Jornal de Piracicaba, encarte especial, 17/01/2004.

3 Informações fornecidas por Daisy C.Campos Chaim, Analista de Sistemas da Unimed Piracicaba, 16/12/2003. O número de usuários engloba os atendidos pelo sistema UNIMED em Piracicaba, Águas de São Pedro, Cerquilho, Charqueada, Jumirim, Laranjal Paulista, Rio das Pedras, Saltinho, São Pedro, Santa Maria da Serra e Tietê.

4 Relatório de gestão da diretoria apresentado no ano de 2002.

5 Paulo Tadeu Falanghe, texto datilografado.

6 “Valorização e Segurança do Cooperado”, boletim impresso, fev/2003.

7 – Última entrevista de Manoel Gomes Tróia ao autor, em 13 de abril de 2007.

Deixe uma resposta