A HISTÓRIA QUE EU SEI (XXXV)

A “Folha”, arma política
Os “comendadores” haviam sido os grandes derrotados nas eleições de 1959 para a Prefeitura de Piracicaba. Mas não se conformaram, passando a responsabilizar, pela derrota, além da Igreja Católica, a imprensa piracicabana, mais precisamente o “Diário” e o “Jornal”. Na Câmara Municipal, os “comendadores” passaram a ter, como porta-voz e aliado, o jovem vereador Francisco Antonio Coelho, pela primeira vez eleito. Domingos José Aldrovandi, Luciano Guidotti, Humberto D’Abronzo estavam sem mandato, mas alimentavam as suas pretensões políticas e exerciam a sua liderança. O acesso à imprensa tomava-se, para eles, condição por assim dizer vital.

Foi dessa necessidade de sobrevivência política e da manutenção daquelas forças que nasceu a “Folha de Piracicaba”, no dia 5 de Maio de 1961. Liderada por Luciano Guidotti, seus familiares e Domingos José Aldrovandi, criara-se uma sociedade anônima com personalidades de grande influência e poder econômico-financeiro na cidade: os comendadores Antonio Romano e Humberto D’Abronzo, os empresários João Guidotti, João Vendemiatti, Silvino Ometto, Jorge César Vargas, o médico Antonio Cera Sobrinho, o vereador Francisco Antonio Coelho, e outros. O objetivo era um jornal que representasse um grupo político que aparentava ser monolítico, mas que não era tão sólido assim. A convite de Domingos José Aldrovandi, veio a Piracicaba, para instalar a “Folha de Piracicaba”, um jornalista da cidade de Leme. Waldemar Arruda. Não havia, porém, profissionais disponíveis na cidade e, para se montar a equipe, foi-se contratando pessoal de pouca experiência e, mais complicado ainda, das mais variadas tendências ideológicas, quase todos eles muito jovens. Era, logo de início, uma grande dificuldade para o grupo “guidotista” em seu próprio jornal Waldemar Arruda mostrava-se inexperiente, desconhecedor da vida política da cidade e os redatores e repórteres mostravam-se totalmente independentes.

A primeira edição da “Folha de Piracicaba” marcava a orientação que, representando aquele grupo, Waldemar Arruda pretendia dar-lhe de oposição a Salgot Castillon na Prefeitura e de criticas a Mário Dedini, por quem os comendadores, ainda que o respeitando, nutriam fortes doses de ciúme. A “Folha” criticava o monumento que, por iniciativa popular, se construiria a Mário Dedini na Praça José Bonifácio. Waldemar Arruda não conseguiu manter-se no cargo, deixando-o pouco mais de três meses após a inauguração do jornal, e a “Folha” entrou em crise. Éramos nós, os jovens redatores e quase todos de tendências políticas de esquerda – quem teríamos que dirigir o jornal. O “guidotismo” não contava com a independência daqueles jovens jornalistas ainda inexperientes que, na prática e movidos por suas próprias convicções, fomos fazendo, sem o perceber, urna nova escola jornalística na cidade. Estiveram lá, comigo: William Zerbeto, Oswaldo Sobeck, Luiz Piza, Clarice de Aguiar Jorge, Garcia Neto, Sidney Cantarelli, Rubens Lemaire de Morais e, em seguida, João Maffeis Neto, Roberto Antonio Cera, Antonio Messias Galdino, Luiz Antonio Rolim, Padre José Maria de Almeida, vindo – depois e quando fomos para o “Diário de Piracicaba” – Adolpho Queiroz, Carlinhos Gonçalves, Edirley Rodrigues, Evaldo Vicente, Carlos Colonnese, tantos e tantos outros que ainda militam na imprensa ou no rádio piracicabanos, alguns deles na televisão. A redação do jovem e barulhento jornal, começaram a agregar-se intelectuais e artistas, como Renato Wagner, Ermelindo Nardin, José Maria Ferreira, Araken Martins, Clemência Pizzigatti e outros.

O “guidotismo” e a política dos “comendadores” haviam criado, para si mesmos, um monstro, pois o jornal, do qual eram donos, passou a ter uma linha de total independência. Era fácil para os redatores opor-se à UDN e a Salgot Castillon, ao “janismo”, “carvalhismo”, ao “ademarismo”, mesmo por questões ideológicas. E assim se fez. Mas o “guidotismo” não imaginara que a “Folha” haveria de tomar-se crítica de seus próprios proprietários, não poupando Aldrovandi, Luciano, Coelho, D’ Abronzo de forma que a existência daquele jornal, onde se inaugurou uma nova linha jornalística, se fazia entre as mais graves crises societárias e administrativas. Chegou-se ao ponto de, certo dia, Luciano e João Guidotti irem à redação da “Folha”, com capangas, querendo empastelar o jornal…

A arma política do “guidotismo” falhara, mas Salgot Castillon e Bento Dias Gonzaga passariam a ter grandes dificuldades com a “Folha de Piracicaba”. Pois a “Folha”, mesmo hostilizando o “guidotismo”, lutaria pela candidatura de Luciano Guidotti em oposição a Bento Dias Gonzaga, um nome vinculado ao antigo “coronelismo”. A audácia marcou aquela geração de jornalistas. Quando aconteceu o golpe de 1964, a “Folha de Piracicaba” se transformou, desde o primeiro momento, em foco de oposição aos militares e abrigo de todas as linhas da “esquerda” em Piracicaba.

Um dos editoriais da “Folha”, logo após o golpe militar, se tomou profético. Com o título, “O caminho da frustração”, prevíamos que a chamada revolução haveria de engolir e destruir os seus líderes civis, o que veio a acontecer pouco depois com a cassação dos direitos políticos de Adhemar de Barros e de Carlos Lacerda, entre outros. A meta que tínhamos era o “JK-65” e, assim, estávamos, ao mesmo tempo, contra os descaminhos do governo de João Goulart e em oposição aos que pretendiam o golpe. A audácia era tanta que, algum tempo depois da posse do Marechal Castello Branco, um editorial da “Folha” acabou dando-nos grandes problemas, com o meu primeiro processo pela Lei da Segurança Nacional. (Outros viriam depois.) Quem se tomou responsável por minha absolvição foi Antonio Perecin, então estudante na Faculdade de Economia de Piracicaba. Eu havia escrito um editorial com o título “O Marechal da Banda”, com críticas ao Presidente Castello Branco. Foi, então, que Antonio Perecin, lendo o editorial antes de ser publicado, passou a discutir comigo, insistindo que, naqueles termos, o artigo me levaria a um processo duro e difícil. Insistiu multo e sugeriu que eu mudasse o título: “O Marechal da Banda de Lá .. ” Acedi, e foi o que me salvou, aquela “banda de lá”…

Enfim, a “Folha de Piracicaba”, idealizada pelos seus primeiros proprietários para ser arma política do “guidotismo”, acabou tornando-se uma experiência nova e audaciosa do jornalismo piracicabano.

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