PRUDENTE DE MORAES: vida, paixão e morte (6)

VI – Paixão

“O Pacificador” de um país enlouquecido

A passagem do tempo impede que se recupere a tragédia brasileira quando Prudente de Moraes assumiu a Presidência da República. A conflagração era geral, acumulavam-se os ódios. A revolução rio-grandense não cedia. No Nordeste, a miséria do povo permitia ações como as de Antônio Conselheiro. Nas palavras de Gastão Pereira da Silva: “No Sul, degolava-se; no Norte, fuzilava-se.”

Por outro lado, a efervescência política aumentava, generalizando- se os ciúmes, alimentando-se dúvidas sobre a continuidade de Prudente de Moraes no governo, até mesmo por sua saúde debilitar-se. Antes de chegar ao Rio de Janeiro, passando de trem por Capivari, cidade vizinha a Piracicaba, Prudente advertira e cumpria seu compromisso: “Eu lhes asseguro que me empossarei na presidência da República, haja o que houver, nem que tenha de pagar por esse gesto o preço da própria vida.” Era um recado aos “florianistas”, também conhecidos como jacobinos, que não se conformavam com a eleição de Prudente de Moraes.

O vice-Presidente, Manoel Victorino, não inspirava confiança. E, por outro lado, Campos Salles e Francisco Glicério começavam a querer influir no governo. A anistia que Prudente de Moraes queria assinar em busca de pacificar o País criava polêmicas. Em carta a Campos Salles, Prudente queixa-se de Glicério: “Ele está magoado por não ser ouvido e mostra-se muito contrário à idéia da anistia.” Por outro lado, a imprensa internacional rejubilava-se com a posse do novo Presidente. Em Paris, o jornal “Le Temps” escreveu: “… para dirigir os destinos do Brasil, ninguém mais honesto e nem mais republicano de raça do que o senhor Prudente de Moraes. O “The New York Herald” comemorava a vitória do civilismo sobre os militares, saudando Prudente como o grande líder democrata.

 Morte de Floriano

Poucos meses após a posse de Prudente de Moraes, morre Floriano Peixoto, em 29 de junho de 1895, após dois meses de agonia. Em seu retiro, ele, a jovens oficiais da Escola Militar que o visitaram, pronuncia o lamento que se torna famoso: “Eu sou um inválido da Pátria…” Nova comoção tomou conta do Brasil, aumentando os ódios e a resistência ao governo de Prudente de Moraes. O corpo embalsamado de Floriano Peixoto foi visitado por multidão incalculável. Machado de Assis escreveu: “Nunca houve manifestação tão solene nem tão extraordinária como a que se fez anteontem ao benemérito soldado e eminente patriota.” Apenas três meses depois, o corpo foi sepultado, pois ficara na capela do cemitério de São João Batista enquanto se preparava o túmulo oferecido pelo governo.

Nesse período, as agitações aumentaram, o corpo do Marechal dando margem a um verdadeiro culto político. Em 29 de setembro, quando do enterro, Prudente de Moraes fez questão de estar presente em homenagem a seu antecessor. A revolta popular era ameaçadora. O túmulo era humilde, os florianistas protestavam. O jornal “Nacional” atacava Prudente, dizendo ser, o túmulo, “uma miséria de mármore, sovina e desamorosamente comprada pelo governo do sr. Prudente de Moraes”. Até homens do próprio governo protestavam. O escritor Raul Pompéia pronuncia discurso veemente e acusa: “A capital da República é o grande centro das desordens, onde a revolução fervilha sempre, latente ou revelada.” O já famoso escritor Arthur de Azevedo não deixa por menos, florianista assumido, e publica mais versos satíricos, ainda com o pseudônimo de Gravoche: “Suspeito, leitor benévolo, que o marmorista, autor daquele sarcófago, é `custodista´…”, em referência a Custódio de Mello, o líder da Revolta da Armada.

A anistia

Em meio a conflitos, dissidências, ciúmes, Prudente de Moraes foi categórico e firme: “Restabelecer a paz, o melhor serviço que, na atualidade, posso prestar à República.”

Conseguiu pacificar o Rio Grande do Sul, promovendo a Conferência de Paz de Piratini (10 de julho de 1895) e a paz, proclamada em 25 de agosto. Foi mais além e anistiou os revoltosos da “Revolta da Armada”, a anistia que dividiu o governo. Francisco Glicério e Quintino Bocaiúva conspiravam. O fato é que “Floriano morrera, mas não morrera o florianismo”. Civis havia que ainda desejavam a presença de militares no governo. O Presidente escreve a Bernardino de Campos dizendo saber dos ódios que desperta nos “jacobinos” e que eles, tão logo se organizem, irão “ substituir-me por algum general que faça a política do forte do marechal.”

Finalmente, a figura de Prudente de Moraes como “pacificador” avulta: a anistia é dada a todos os revoltosos desde 1892. Mas o Brasil estava aos pedaços: todos os esforços do Presidente caipira foram gastos na pacificação do país e na derrota ao militarismo. A reconstrução do Brasil, que outros a fizessem após o seu mandato. E o Brasil estava, no dizer de Gastão Pereira da Silva, “um doente enfraquecido por uma doença gravíssima, seco, mirrado, abatido, descarnado, mas vivo!” Mas ainda havia Canudos. E a traição de Manoel Victorino, o vice.

A traição de Victorino

O jornalista e historiador Horácio de Carvalho – que fora chefe de gabinete de Prudente de Moraes na Presidência da República – deixou gravadas as palavras que definiram a obra do Presidente: “é o sacerdote da Pátria”. Esse sacerdócio minou a saúde de Prudente de Moraes. Quando, não suportando mais, aceita submeter-se à cirurgia de grande risco, efetuada em 29 de outubro de 1896 (V. Fascículo 2) , Prudente de Moraes sabia que a conspiração estava sendo liderada pelo vice-presidente, o baiano Manoel Victorino Pereira. Assim, mesmo operado, não se afastou do governo.

Manoel Victorino era personalidade de grande prestígio na Bahia, médico de renome internacional, orador de largos recursos, de quem Rui Barbosa se tornara discípulo político, rompendo depois. Manoel Victorino assumira a orfandade dos “florianistas” e não houve dúvidas de que se tornara líder de uma conspiração contra o presidente paulista. Em 10 de novembro, admitindo não ter condições para governar à distância e enfermo, Prudente de Moraes envia, a Manoel Victorino, o comunicado de seu afastamento. Em poucas palavras, ele deixa claro que está transmitindo não o governo, mas o cargo: “Tendo a necessidade de guardar repouso durante algum tempo para restabelecimento de minha saúde, conforme prescrição médica , e não podendo por este motivo ocupar-me com os negócios públicos enquanto perdurar este impedimento, tenho a honra de passar-vos o exercício do cargo de presidente da República. Capital Federal, 10 de novembro de 1896, Prudente José de Moraes e Barros.”

De pronto, Victorino assume a Presidência, faz mudanças no Ministério e deixa claro pretender que o afastamento de Prudente provoque a renúncia coletiva dos ministros. Reúne, no Senado, os políticos mais em evidência do País, descreve a situação nacional, traça um programa de governo que nada tem de provisório. A guerra no sertão – os revoltosos de Antônio Conselheiro e Canudos – vem a calhar para mostrar, ao Congresso, que, para um governo forte, seria preciso ter bases duradouras. E isso significava a renúncia de Prudente de Moraes.

A tragédia de Canudos

A história de Antônio Conselheiro vinha de longe. As causas não foram exatamente as que Euclides da Cunha enxergou no clássico “Os Sertões”. Hoje, sabe-se que a grande obra de Euclides refletiu uma epopéia vista a partir de condicionantes do jornalista: sua época e as idéias que inspiravam aquela geração, sua formação militar, a mística da consolidação da República, a percepção positivista de história. Euclides da Cunha, no entanto, vira e denunciara: Canudos se transformara em um crime.

Os sertões brasileiros têm a sua escrita própria. A “Guerra de Canudos” começa com uma luta entre famílias: os poderosos Araújo e os Maciel, mais pobres e acusados de furtos em propriedades. A luta de morte consuma-se em Quixeramobim, onde um calmo e correto Antônio Vicente Mendes Maciel cuida das irmãs solteiras, trabalha para vê-las casadas e, então, organiza sua própria família. Tentara ser caixeiro viajante, cuidava do armazém da família e dava expediente no cartório local, preparando-se para ser solicitador (advogado). É, então, que a mulher o trai, fugindo com um policial. Antônio Maciel abandona tudo, envergonhado, afunda no sertão, perambula pelo Sul do Ceará e começa a ter alucinações. Passa a pregar o Evangelho, tornando-se um “anacoreta de barba longa, cabeleira descendo aos ombros, olhar fulgurante, o corpo ossudo marcando o hábito azul de brim americano, apoiado no clássico bastão dos peregrinos”, na descrição de Hélio Silva.

Aparentando santidade, Antônio, que se tornou o “Conselheiro”, vagueou pelo sertão, sendo acolhido por famílias humildes, ouvindo suas queixas, pregando penitência. A sua chegada aos povoados é comemorada como a chegada de um santo: com bandeiras do Divino, ramos nas ruas, cruzes, imagens. Isso passa a incomodar vigários e proprietários de terras, que vêem o povo humilde seguir o homem que adquire a fama de profeta. Então,

“Conselheiro” e seus seguidores se instalam numa fazenda abandonada, às margens do Vaza-Barris. O lugar era conhecido como Canudos, nome que, antes da chegada do “Conselheiro”, já existia, devido, talvez, ao hábito de seus moradores fumarem longos cachimbos. Lá ele funda o Arraial de Bom Jesus, onde organiza uma coletividade e começa a restaurar a igreja.

O fanatismo por Antônio Conselheiro passa a preocupar as autoridades da Bahia. Cantadores do sertão, versejando histórias, insinuavam uma atitude monarquista de Conselheiro, vista como de oposição à República. Alguns versos corriam pelos povoados: “Saiu D.Pedro Segundo/ Para o Reino de Lisboa/Acabou-se a Monarquia/ o Brasil ficou à toa./ Garantidos pela lei/ Aqueles malvados estão/Nós temos a lei de Deus/ Eles têm a lei do cão./ O Anticristo nasceu/ Para o Brasil governar/ Mas aí está o Conselheiro/ Para dele nos livrar.”

O governador da Bahia, Luiz Viana, trata a questão como “caso de polícia”. Mas suas arremetidas contra Canudos e Antônio Conselheiro vão redundando em verdadeiros massacres.

As forças estaduais são derrotadas. Viana pede reforço federal e as tropas do Exército também são derrotadas. Os “florianistas” vêem, na crise, a grande motivação para o retorno de um “governo forte”, com predominância militar. Victorino Freire percebe ser a sua oportunidade para motivar o país politicamente. Otimista, ele envia, em fevereiro de 1897, o coronel Antônio Moreira César e mais 1.300 soldados e oficiais para dar fim à rebelião de Canudos. Mas acontece o que ninguém imaginaria: o exército brasileiro é derrotado em Canudos, com a morte de Moreira César e grande parte da soldadesca. Os que retornam falam de horrores. O Brasil se alarma. No Exterior, os acontecimentos repercutem responsabilizando a fragilidade do governo.

E, diante de boatos do retorno de Prudente de Moraes à Presidência, Manoel Victorino usa de seus últimos e poderosos recursos: nomeia o general Arthur Oscar de Andrada Guimarães para dar um fim a Canudos, que se transformava em neurose nacional. Preparando-se para uma longa permanência na Presidência, Victorino mudara até a sede do governo: do Palácio Itamaraty para as instalações do antigo palácio do Conde de Nova Frigurgo, que passaria a ser chamadas de Palácio do Catete. E foi no Catete que Prudente de Moraes, quase incognitamente, reapareceu, tomando posse sem que ninguém soubesse, a não ser Bernardino de Campos, no dia 4 de março de 1897. Ainda doente, mais magro, mas convencido de seu “sacerdócio pela Pátria”.

Em 5 de abril, a nova expedição marcha em direção a Canudos. Com ela, vai o jornalista Euclides da Cunha. O novo Ministro da Guerra, Marechal Carlos Machado de Bittencourt, monta seu quartel-general na Bahia. Em junho, 6 mil homens não vencem a batalha. Mais de 4 mil são levados a Canudos. Nos dias 4 e 5 de outubro, as tropas federais arrasam o povoado. Antônio Conselheiro tinha sido morto em 22 de setembro e, então, decepam-lhe a cabeça. Os 800 sertanejos que restaram e que portavam armas foram também degolados. Acabava-se a grande utopia de Antônio Conselheiro, que imantara os sonhos e ilusões de cerca de 25 mil jagunços: uma espécie de comunismo com Deus.

Sob a presidência de Prudente de Moraes, a paz de Canudos chegara. Mas com sangue.

Mais sangue: o atentado

O sangue de Canudos não estancara. O retorno de Prudente de Moraes à Presidência atiçara a conspiração dos inimigos políticos, ainda liderados por Manoel Victorino e os “florianistas”. Articulou-se a conspiração militar. A primeira opção foi a de matar Prudente quando saísse do carro, chegando ao Catete. A segunda, a de contratar um atirador profissional que o baleasse à hora da leitura dos jornais, quando ficava à janela fumando, seu hábito de todas as manhãs. Mas o atentado aconteceu de outra maneira: quando, no dia 5 de novembro de 1897, chegou ao Rio de Janeiro, a bordo do paquete “Espírito Santo”, o primeiro contingente vitorioso de Canudos.

O Presidente estava sendo esperado para a grande recepção aos heróis de Canudos. Quando Prudente chegou, o povo o aclamou em delírio, mas dando, também, vivas a Floriano Peixoto. De repente, um soldado – o alagoano Marcelino Bispo de Mello, de 22 anos – avançou sobre Prudente, e, em direção a seu peito, acionou os dois gatilhos do revólver, que falharam. Com a cartola, o Presidente desviou a mão do agressor. O Chefe da Casa Militar, coronel Mendes de Moraes, deu um golpe e acertou o rosto do jovem agressor. Prudente, vendo a multidão que desejava linchar o soldado, pediu que lhe poupassem a vida. O Ministro da Guerra, Machado Bittencourt, repetiu a ordem do Presidente, insistiu nela, quando o soldado, tirando um punhal, desferiu-lhe diversos golpes, matando-o.

Às duas horas da madrugada do dia 6 de novembro de 1897, Prudente de Moraes enviou ao “Diário Oficial” um manifesto que, além de lamentar a morte do Marechal Bittencourt, enfatizava “do modo o mais solene que esse horroroso crime não terá o efeito de remover uma só linha do caminho do dever e da defesa da lei, do princípio da autoridades e das instituições republicanas”, conforme divulgou o jornal “O Paiz” daquela data.

Contrariando os seus ministros, Prudente de Moraes foi ao enterrro do Ministro da Guerra e, então, o que se viu foi um espetáculo cívico que todos os jornais narraram: multidões aplaudindo Prudente de Moraes, ovacionando-o e repudiando os conspiradores, entre eles o vice Manoel Victorino. Além de Victorino, o inquérito policial apurou a cumplicidade também de Francisco Glicério, outros deputados e figuras proeminentes do “florianismo”. Muitos deles, incluindo o jornalista Alcindo Guanabara, foram desterrados para a ilha de Fernando de Noronha, sendo libertados após “habeas corpus” concedido pelo Supremo Tribunal Federal.

Final de governo

Após o atentado, Prudente de Moraes – consciente da presença de conspiradores em todas as áreas do governo – passou a governar com mão forte. Solicitou do Congresso autorização para decretar o estado de sítio para o Distrito Federal e Niterói. Na política exterior, o grande trunfo fora a confirmação da soberania brasileira sobre a Ilha de Trindade, invadida pelos ingleses. Em relativa calma, encerrava-se, no dia 15 de novembro de 1898, o governo do primeiro Presidente Civil da República, o caipira, o “biriba”, mas o “Pacificador do Brasil”, o “Sacerdote da Pátria”.

Naquele dia, Prudente de Moraes passou a faixa presidencial ao também paulista Campos Salles, em cerimônia no Palácio do Catete. Cumpridas as formalidades, Prudente deixou o palácio e se dirigiu à Pensão Beethoven, no Bairro da Glória, onde ficaria até o embarque para São Paulo. Foi, então, que aconteceu uma das mais comovedoras homenagens de um povo a seu governante: o landau – espécie de carruagem conversível de luxo – que transportava Prudente de Moraes levou mais de duas horas num trajeto que seria percorrido em apenas cinco minutos. Era o povo se despedindo, discursos ao longo do trajeto, vivas em canhoneio de navios, diferentemente do quase anonimato com que Prudente de Moraes chegara, quatro anos antes, para assumir a Presidência da República.

Prudente de Moraes permaneceu no Rio de Janeiro até dia 18 de novembro de 1898, embarcando, então, para São Paulo em trem da Estrada de Ferro Central do Brasil. Por todo o trajeto, a cada parada do trem, o povo estava reunido para aplaudi-lo. Foram 16 horas de viagem em que Prudente de Moraes foi ovacionado pelo povo, recebendo bandeiras, flores, acenos. Ao chegar em São Paulo, foi recebido pelo governador Fernando Prestes, autoridades civis, militares e religiosas e por uma multidão delirante de alegria.

De lá, Prudente de Moraes só ansiava por realizar o sonho que projetara ao longo de todo aquele ano de 1898, quase uma obsessão: retornar a Piracicaba. Uma de suas cartas registra essa ansiedade:

“(…) estou a contar os dias que faltam para chegar a 15 de novembro, com a mesma ansiedade com que os escravos esperavam o seu 13 de maio (…) quero ver-me em minha casa para descansar(…) convém que o serviço de nossa casa comece logo, para poder concluir-se a tempo de poder ocupar a casa em novembro (…) e o meu banheiro deve estar muito estragado: mande fazer os consertos necessários de modo a que se possa servir até que se faça coisa melhor, quando a terra tiver esgotos(…)”

No dia 23 de novembro de 1898, Prudente de Moraes toma o trem ao lado de uma comitiva de amigos fiéis, entre eles Júlio de Mesquita e José do Patrocínio. Destino: Piracicaba. Sua terra. Seu lar. Lugar onde, ao chegar, será recebido com honras que se prestam, mais do que a heróis, a homens venerandos, amados por sua santidade e sabedoria. Em sua terra, em seu lar, passará os últimos anos de vida, com trabalhos esporádicos na advocacia e pouca atividade política, conforme os limites de sua saúde.

*Continua. Parte Final: Morte

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