PRUDENTE DE MORAES: vida, paixão e morte (7)

VII – Morte e legado

Foi inevitável, a seus críticos e analistas, deixar de encontrar semelhanças entre Prudente de Moraes e Abraham Lincoln. O caráter e a personalidade de ambos, a sobriedade, a aparência, a barba, os trajes discretos, as guerras civis que tiveram que enfrentar, além da admiração dos brasileiros pela democracia republicana dos Estados Unidos – tudo levou a ver semelhanças entre os dois estadistas. Gastão Pereira da Silva, citando Leopoldo de Freitas, reproduz trechos de artigo deste:

“Como Lincoln, Prudente manifestou intenções conciliadoras em todos os atos da vida pública e na sua alta missão de soberano de uma nação cujo organismo estava trabalhando pela ação do ódio e da paixão partidária.”

Foi envolto por essa aura de quase adoração, doente e também desiludido com traições políticas, que Prudente de Moraes deixou o governo do Brasil. A sua despedida foi uma consagração. Descreve-a, Gastão Pereira da Silva: “…flores soltas caem-lhe em cima, numa chuva colorida de pétalas. Por entre palmas e vivas, inúmeras pombas brancas e de cores voam ligeiras pelo espaço.” No dia 19 de novembro, sem que Prudente de Moraes tenha participado da homenagem, um busto do “Pacificador” é inaugurado no Palácio do Governo. Suas últimas palavras ao povo, antes de partir de volta a Piracicaba, são a de que se sentia feliz “por ver que aquela manifestação não era apenas ao homem, mas também à República, que deixava forte e consolidada sem mais temores quanto à sua estabilidade.”

Relatório dos bens

Antes de retornar a Piracicaba, Prudente de Moraes enviou seus bens pessoais. E, mais uma vez, a honestidade e o rigor diante dos detalhes se revelam marca de seu caráter. Cada peça, por mais simples, é detalhada. Em 11 de outubro de 1898, ele envia uma carta ao genro, João Batista Silveira Melo – a quem Prudente chama apenas de Batista – informando que, pela Estrada de Ferro Central, enviou “58 volumes contendo mobília, livros, quadros, etc”. E informa: “Pela relação junta, verá o que contem cada um dos 58 volumes. Todos eles levam a marca “P. M. (Prudente de Moraes) Piracicaba”.

O escritor Silveira Peixoto publica – em “A Tormenta que Prudente de Moraes Venceu”, Imesp, 1990 – a relação detalhada. Para se avaliar a seriedade detalhista de Prudente de Moraes, pode-se pinçar algumas informações da “relação dos volumes”, toda enumerada:

“1-0-1 – engradado, 2 cabeceiras de cama de casados;

1-0-2 – engradado – 1 estrado de arame para a mesma, 1 colchão para a mesma, 1 dito para solteiro;

3-0-1 – engradado – 4 cabeceiras de camas de solteiros, 2 estrados de arame de camas de solteiros”. E assim por diante.

Em outros volumes, Prudente de Moraes relaciona engradados que vão de A a E, contendo: escrivaninha de Paula, cadeira do dr. Prudente, móvel para roupa usada, mais dois móveis para roupa usada. E, em um outro engradado, há “1 retrato de Terezinha (a filha Maria Teresa, falecida), uma moldura para a cortina do retrato”…

O retorno do herói

Chegando a Piracicaba, Prudente de Moraes é recebido como herói. E é. A concepção mítica de herói está perfeitamente retratada na trajetória de Prudente: aquele que deixa sua terra, que conquista o mundo e que retorna. Como herói, ele é recebido em Itaici, em Capivari, na Vila Rafard, em Rio das Pedras, por onde passa o trem da velha Ituana. A consagração acontece em Piracicaba, onde o jornalista Júlio Mesquita e o tribuno José do Patrocínio são testemunhas do delírio popular.

A multidão, calculada em cinco mil pessoas, acompanha Prudente de Moraes e sua comitiva até a casa da rua Santo Antônio. O advogado João Sampaio – genro de Prudente, poderoso senhor de terras e que seria, alguns anos depois, fundador de Londrina, no Paraná – discursa, falando também como redator-chefe da “Gazeta de Piracicaba”. A emoção e os aplausos interrompem sua fala. Então, João Sampaio conclui a saudação:

“Peremptoriamente incapaz de prosseguir – ó imortal brasileiro – permiti que eu me lance aos vossos braços! Eu vos saúdo em nome de Piracicaba!”

Alguns dias depois, buscando repouso e um pouco de paz, Prudente de Moraes se recolhe à Fazenda Pau d’Alho, de seu irmão, o Senador Manoel de Moraes Barros. A doença pulmonar dá sinais de agravamento.

De volta à advocacia

Agora, Prudente de Moraes – fiel a seus ideais democráticos e republicanos – tem consciência de ser um simples cidadão da República que ele pacificou. Convida o genro João Sampaio e retorna à advocacia. O escritório se instala na rua Santo Antônio, número 6. Próximo deles, no Largo da Matriz, está o escritório de um advogado ainda jovem, que se tornaria figura nacional, como magistrado e homem público: Francisco Morato.

Antigos clientes voltam, outros se aproximam. Prudente de Moraes redige e assina petições, faz arrazoados, ele próprio cuida da contabilidade do escritório, anotando tudo: um selo para uma petição, outro para um recibo. O filho, Prudente de Moraes Filho, chega, certa vez, do Rio de Janeiro e se assusta ao ver o pai aprontando-se para uma audiência. Ele, conforme explicou para “Nhôzinho” – como chamava o filho – iria substituir João Sampaio, que estava em Santa Bárbara, numa audiência com o juiz de paz… “Como, um ex-Presidente da República?” – indigna-se o filho. Responde Prudente: “Todo trabalho é nobre”.

Segundo Silveira Peixoto, Prudente de Moraes, com o passar dos dias em Piracicaba, se transforma como que “num avô condescendente para a meninada piracicabana”. As crianças queriam ver “a maquininha do dr. Prudente”: uma miniatura de locomotiva que a São Paulo Railway lhe dera e com a qual – em horas ociosas ou para relaxar – Prudente de Moraes de distraia, fazendo-a ir e vir…

Decepção e dissidência

O governo de Campos Salles é uma decepção aos olhos dos republicanos históricos ligados a Prudente de Moraes. O novo presidente é visto como traidor das causas republicanas, personalista, acusado de “querer perpetuar a sua direção na política do Brasil”, responsável pela “odiosa prática do crê ou morre!” Cada vez mais doente, Prudente de Moraes é convidado a participar do movimento dissidente do Partido Republicano. O povo aplaude a dissidência e ovaciona o “Pacificador”, querendo lançá-lo, novamente, à Presidência da República. Cada vez mais doente, Prudente de Moraes recusa-se, especialmente se a presidência lhe é oferecida de forma a romper com a legalidade. Declara:

“Nem por uma eleição eu voltaria à Presidência, pois não me sinto mais com forças para bem exercê-la. Quanto mais por uma revolução!”

Em São Paulo, o povo inunda as ruas, aclamando-o. Prudente de Moraes tem que falar do alto de um tílburi, o de “nº 46”. Da Estação, passa pela avenida Rangel Pestana, na Ladeira do Carmo e no Largo do Palácio, pela rua 15 de novembro, largo do Rosário, pela rua São Bento, até o Hotel França. O povo não se afasta. No dia 30 de outubro de 1901, ruma até o Clube Ginástico Português, à rua Marechal Deodoro, onde acontecerá a “Convenção da Dissidência”. No dia 6 de novembro, é aprovado o manifesto-programa – datado do dia anterior – do Partido Republicano Dissidente de São Paulo, tendo Prudente de Moraes como um dos seus líderes.

É a última participação política de Prudente José de Moraes Barros. A tuberculose já o leva para o fim.

Agonia de um homem

É Paulo de Moraes Barros, o sobrinho e herdeiro político, o médico que cuida de Prudente de Moraes. O Doutor Paulo sabe da gravidade da situação e envia Prudente para um descanso em Cambuquira. De lá, Prudente de Moraes escreve para o amigo José Gabriel de Oliveira e Souza, em carta de 2 de junho de 2002:

“Aqui estou há cerca de dois meses(….) O meu peso que já estava abaixo do normal era de 60 quilos. Daí para cá, perdi 7 quilos e fiquei reduzido a 53! Não tenho tirado da permanência aqui o resultado benéfico que esperavam os médicos. A febrícula, o catarro e a tosse que produziram este abatimento, apesar de atenuados, ainda não me deixam em paz.”.

Quando retorna a Piracicaba, Prudente de Moraes faz uma brincadeira de humor negro que se tornaria frase memorável para a época: “Não sairei mais de perto do Gaspar.” Tratava-se de Gaspar Fessel, o coveiro do cemitério. “Ir para o Gaspar”, a frase que Prudente de Moraes popularizou, significava estar próximo de morrer. A agonia começa no dia 2 de dezembro de 1902.

A descrição do escritor Silveira Peixoto é dramática:

“Não é mais aquela casa feliz, esta casa em que Prudente vai morrer. Falta um balão de oxigênio, um daqueles balões que, desde há dias, ainda lhe vêm dando um pouco mais de vida. Dentre os lençóis amarfanhados, dentre as barbas desalinhadas, dentre os lábios emurchecidos, quebrando em reticências, vem um murmúrio que é uma súplica:

– Paulo!… Mais ar!… Paulo!

E Paulo de Moraes Barros, que é seu médico e enfermeiro, num desespero, toma de um grande leque e abana, e abana, à espera de que, com um outro balão de oxigênio, cheguem mais alguns instante de vida para o tio. (…) Em voz sumida, faz-se ouvir de novo a súplica:

– Mais ar! Paulo!”

 A morte

A agonia se prolonga. À cabeceira de Prudente de Moraes estão familiares e amigos: a mulher, Adelaide Benvinda; Carlota, Gustavo, Antônio, Júlia, Maria Amélia, Paula, João Sampaio, Paulo de Moraes Barros, João Batista da Silveira Mello, Nicolau de Moraes Barros, Adolfo da Silva Gordo, Manoel e Joaquim de Moraes Barros, Ana Brandina de Barros e Silva e outros. Nas ruas próximas à casa da rua Santo Antônio, o povo se reveza em orações. À uma hora da madrugada do dia 3 de dezembro de 1902, falecia Prudente José de Moraes Barros.

No mesmo dia, uma quarta-feira, o “Jornal de Piracicaba” – então de propriedade e sob a direção de Juvenal do Amaral – noticiou:

“Após alguns dias de uma agonia lenta e cruciante expirou à 1 hora em ponto da madrugada de hoje, o eminente sr. dr. Prudente de Moraes, ex-presidente da República. S.exa. desde ante-hontem que achava-se sob um soffrimento horrível, vivendo de inhalações de oxygenio, vivendo uma vida artificial. (…) O dr. Prudente de Moraes expirou victimado por uma tuberculose pulmonar, que há mais de um anno minava-lhe a preciosa existencia. S.exa. quando exalou o último suspiro estava cercado por quase toda a sua familia.”

Sepultamento e comoção

A morte de Prudente de Moraes causou comoção nacional. E o seu sepultamento levou Piracicaba às ruas. Ainda que Prudente de Moraes não o desejasse, o padre João Batista Ferraz se faz presente à casa onde o corpo foi velado e, depois, recebendo bênçãos na Igreja Matriz. As alças do caixão, em direção ao cemitério, são tomadas por Paulo Nicolau e Manoel de Moraes Barros, além do deputado Adolfo da Silva Gordo, do senador Ferraz de Sales e do General Mendes de Morais. O Maestro Tristão Mariano – o mais celebrado de Piracicaba – orientou o coro que cantou a “Marcha Fúnebre”, de Chopin. O caixão foi coberto com a bandeira nacional, uma doação do Major Alves Aranha, diretor da Escola Complementar de Piracicaba.

À beira do túmulo, diante de um multidão, falaram, em nome do Partido Republicano, o dr. Joviniano Reginaldo Alvim, o doutor Alvim, além de Augusto Cesar Salgo, em nome da colônia portuguesa, e Octávio Mendes, pela Beneficente Operária. O “Jornal de Piracicaba”, na edição do dia seguinte à morte (4 de dezembro) noticiou que se “esgotou o stock de coroas”.

No Senado da República, o adversário Francisco Glicério tenta um elogio fúnebre, emociona-se: “Rogo que o Senado levante a sua sessão, em sinal de pesar pela morte do notável brasileiro”. O novo presidente, sucessor de Campos Sales, Rodrigues Alves, telegrafa ao senador Manoel de Moraes Barros:

“Recebi notícia com imenso pesar. Aceite e transmita à família os meus sentimentos. Rogo-lhe o obséquio de representar-me no enterro do ilustre morto”. E, no governo de São Paulo, Bernardino de Campos dá ordens para que todas as homenagens se prestem a Prudente de Moraes e que os funerais sejam feitos “em nome e por conta do Estado”.

Inicialmente, a sepultura de Prudente de Moraes levou o número 2905. O túmulo de Prudente José de Moraes Barros foi erigido na Rua 1, Quadra 5, do Cemitério da Saudade, um mausoléu onde se atendeu o pedido do grande presidente de que, na sua sepultura, apenas se inscrevessem seu nome e as datas do nascimento e morte.

Em 1921, uma antiga vila guarani, cidade que ia crescendo com o café e pecuária – situada a noroeste de São Paulo e na fronteira com o atual Mato Grosso do Sul – recebe o nome do primeiro presidente civil da República, o “Pacificador”. É Presidente Prudente, como a lembrar que ele era, antes de mais nada, um “Biriba”. (fim)

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