A dúvida

Se, na corrida de obstáculos, continuar, eu, vencendo-os, completarei, exatamente daqui a um ano, meus 70 anos de idade. Os céus me deram a ventura de vivê-los intensamente, no maravilhamento da descoberta da vida a cada dia da existência. Chegar aos 70 anos, após tantos desafios e enfrentamentos, ser-me-ia uma dádiva, pois sei que, nessa idade, o ser humano assume, por completo, o seu direito à contemplação, à reflexão ainda mais profunda sobre si mesmo, o tempo, os espaços. Depois dos 70 anos, homem e mulher têm que ser contadores da história de sua época, estando à disposição dos que chegam e dos que vão passando.

Haverá benefícios, sei disso. E liberdade plena diante de algumas obrigações civis. A obrigação de votar, por exemplo. Após os 70 anos, o cidadão não mais é obrigado a votar. E essa é a minha dúvida, a grande dúvida. Pois acho que, para uma democracia mais consistente e sólida, apenas deveriam votar homens e mulheres maiores de 70 anos de idade, cidadãos sem apetites de poder, sem comprometimentos tolos, com história já vivida e sem ambições pessoais que possam redundar em prejuízo de terceiros. Homem e mulher de 70 anos eram, nas civilizações mais antigas e ainda em algumas modernas, conselheiros da comunidade, como que sábios de plantão.

Em meu entender, no entanto, o problema se agrava. E a dúvida se alimenta, se realimenta. Ora, se apenas os acima de 70 anos devessem votar, em quem eu votaria em 2010? Vejo o panorama, sinto o odor da infecção política de Brasília e em todos os municípios, sou obrigado a responder-me desalentadamente: conscientemente, eu não votaria em ninguém. Nem mesmo para repetir aquela tolice que marcou a nossa caricatura democrática: por falta do bom, vote no menos ruim. Isso é falso. E tem sido, na verdade, o que grande contingente de homens e mulheres consciente deste país e desta cidade temos feito: votar no menos mal, enquanto grande massa vota em amigos, votar em quem oferece vantagens. Observem-se os cabides de emprego nos governos federal, estaduais e municipais, especialmente nos chamados “cargos de confiança” na esfera dos três poderes. Ora, funcionários têm que ser de confiança da comunidade, não do prefeito ou do vereador de ocasião.

Por outro lado, já me vejo diante da angústia do ano que vem, da tentação, da opção dolorosa que se me apresentará: após os 70 anos, homem e mulher não precisam mais votar. O direito e o dever passam a ser opção. Logo, terei a opção de votar ou não votar. A dúvida me corrói a consciência cívica, pois, fosse hoje, eu mandaria tudo e todos às favas, essa imundície que brota dos porões de Brasília e que, por enquanto, ainda está oculta – mas cheirando mal – nos porões dos municípios e dos governos estaduais. Votar em quem, para quê, se exceções, hoje, na política não têm mais qualquer importância? Votar para quê, se os tidos como bons também se corromperam?

Na verdade, confesso meu quase desânimo, o do homem que tirou o título de eleitor em 1958, que votou ao longo de todas essas décadas na esperança de transformações, de mudanças, de uma retomada da dignidade na política. Não adiantou nada, absolutamente nada. Aqui em Piracicaba, um pastor de seita dita evangélica teve o desplante – sem que nada acontecesse – de dizer que ele dera, ao PSDB local, 50 mil votos, num negócio com o chefe tucano. Portanto, quando eu fui votar já saí perdendo por 50 mil votos de cabresto sem saber qual negócio fora feito e sentindo-me absolutamente indefeso, porque o Ministério Público ficou quietinho como que com medo dos chefões do tucanato em São Paulo. O que o PSDB condena em Brasília em relação ao PT está acontecendo com o próprio PSDB em Piracicaba. E o palhaço, quem é?

Vejam, agora. Houve quem saudou, como altamente civilizado, o fato de o deputado Roberto Moraes ser o relator de um CPI que irá averiguar também denúncias que envolvem o atual prefeito de Piracicaba quando de sua passagem pela Secretaria de Habitação do Estado, outras de tantas denúncias. E alega-se: Roberto Moraes foi adversário ferrenho de Barjas Negri e não deverá promover vingança alguma. Mas a situação é outra: Roberto Moraes tornou-se aliado político do prefeito. Ora, se se pode supor que não haverá vingança, poder-se-ia supor haja acordos? Já sei a resposta para a pergunta anterior: um dos palhaços sou eu. E aumenta-me a dúvida para 2010, nos meus 70 anos: votar em quem, para quê, por quê? Bom dia.

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