O poder de uma carta…

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unnamed (3)A carta pós-Temer voltou na moda. Está na ordem do dia, nada mais moderno e útil. Sobretudo quando, por meio das mal-traçadas, se lava a alma. Você pensava que o Planalto é habitado por uma gente fria, calculista e sem coração? Nada disso. A carta do sr. Temer é algo a ser considerado nos dias que correm.

Correios brasileiros e carteiros diligentes, digo-vos: alegrai-vos. As missivas voltaram (voltarão?) com força total. É o modismo político dos nossos tempos conturbados. De repente, vamos ressuscitar este romântico meio de comunicação que fez a festa de tantos corações.

Escrever uma carta é um gesto de amor. Ninguém mais escreve. Hoje, escrevemos e-mails. É emocionante também. Porém, é mais frio. Feito aquele “frio inteligente” de que nos fala Clarice Lispector. Temos de viver como pessoas do nosso tempo e imprimir virtudes inefáveis na armadilha tecnológica, a fim de que endureçamos, pero sin perder la ternura.

O “Rei”, em priscas eras, cantou: “Escreva uma carta, meu amor / e mande outro beijo, por favor”. Ah, as cartas de amor! Conforme bem declarou Álvaro de Campos, “as cartas de amor são ridículas; não seriam cartas de amor se não fossem ridículas…”. Rubem Alves, comentando o dito, concluiu que “afinal, só as criaturas que nunca escreveram cartas de amor são ridículas”.

Há uma carta famosa no cancioneiro popular,  eternizada na voz de Isaurinha Garcia e regravada por Vanusa. O carteiro grita seu nome, ela mal consegue chegar até o portão e reconhece a caligrafia daquele que lhe disse um dia “estou farto de ti”. Então, ponderando se a mensagem seria de tristeza ou de alegria, refletindo melhor no que uma carta nos traz, os versos concluem: “Assim pensando rasguei / tua carta e queimei/ para não sofrer mais”.

E todos nós, ouvintes curiosos e fiéis, ficamos sem saber o que é que havia na tal mensagem. Ah, mas por que ela não abriu a bendita carta? Rasgou e queimou sem ler? Poucos fariam isso, até porque há o dito de que “curiosidade mata”. Eu teria aberto, sem dúvida!

Bem, mas por mais palpitante que seja o assunto das missivas caídas no desuso, é lamentável que toda uma geração não saiba escrever uma carta. Muitos não conheceram a graça e a ventura de começar um texto com um “Prezado Senhor”, ou “Querida Maria”, e quem sabe um apaixonado “Amor da minha vida”, dois pontos.  Sabe lá o que é escrever uma carta de amor? Só mesmo uma raça em extinção e os últimos românticos ainda a estão escrevendo. Ou desistiram também? Ah, não, por favor, não parem. Vocês vão salvar o planeta!

A carta de Temer fez o país tremer. Era pessoal e acabou se tornando pública. Nada mal. Boa redação, uma mágoa incontida, necessária, refreada por conta da liturgia do cargo. Carta inflamada que começa com “Verba volant, scripta manent”. Em tradução do latim: “As palavras voam, os escritos permanecem”.

Sim, sim, sim!

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