A carta de amor

Devido à enormidade de nossas vaidades humanas, a vida se transforma num sem-fim de humilhações. A dor-de-barriga, a cólica intestinal, por exemplo – que humilhação pode ser maior? Eu me lembro que, desde muito jovem e já metido a escrever, os meus amigos me pediam que lhes redigisse cartas de amor às namoradas. E, em outras vezes, cartas de rompimento ou de vingança.

Estudávamos Direito em Campinas e um amigo meu se apaixonou por uma colega que pertencia a uma das famílias mais tradicionais da cidade. E Campinas, há mais de 40 anos, era incrivelmente tradicionalista. A paixão de meu amigo era dolorosa. E a mocinha, muito esperta, zombava daquele amor, ora dando-lhe esperanças, ora fingindo desconhecê-lo. Meu amigo ia afogar as mágoas em mesa de bar, nós com ele. Então, um dia, propus que deveríamos dar uma lição naquela jovenzinha toda empinada, metida a besta, de nariz arrebitado. Eu escreveria a carta, meu amigo a assinaria. Seria uma carta de amor, mas diferente.

Foi mais ou menos assim: “Querida fulana. Não me esqueço de você, embora a sua distância de majestade. Saberei esperá-la, meu amor, até que, um dia, você descubra que é humana como qualquer outra pessoa. E para não me esquecer de que você é humana, eu a vejo sempre, meu amor, na privada. Você entra correndo, fecha a porta, suores frios correm-lhe pelo rosto. Você quer tirar as calcinhas, parece que não vai dar tempo, as cólicas a fazem gemer. Então, você se senta, faz força, fica vermelha, de tanto fazer força, e nada! Lágrimas lhe escorrem dos olhos, você tem vontade de pedir socorro, passa a mão na barriga, fazendo massagem. Faz força novamente, geme, respira arfantemente, pede auxilio de Deus. E nada. É intestino preso. Você faz mais força, acaba chorando. “Não consigo” – você fala, gemendo. “Faça mais força” – sua mãe insiste. E, finalmente, ela bate à porta e lhe oferece um supositório. E, então, meu amor, você coloca o supositório e a vida volta a ficar risonha. Você olha para a bacia, puxa a descarga, suspira, olha-se no espelho, arruma os cabelos, ajeita o vestido, abre a porta e retoma ao mundo. Com o nariz empinado, meu amor. E é por isso que eu amo você, porque você tem dor de barriga como qualquer plebéia”.

O meu amigo mandou a carta. A moça nunca mais o cumprimentou e, no entanto, nunca mais o esnobou. A vida, pois, por causa de nossas vaidades humanas é um sem-fim de pequeninas humilhações. E bom dia.

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