Praça do Canta Sapo

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O rancho de madeira, desprovido de paredes e cercado, a meio metro, com ripas brancas, fica no meio da Praça do Canta Sapo em Saltinho, interior de São Paulo. Ao longo do madeiramento do telhado, veem-se cordões com bandeiras do Brasil e um cartaz com o time do Santos F.C. Os banquinhos, de couro sintético e revestidos por espuma, rodeiam as mesas de carteado e dispõem-se ao longo da cerca — suficientes para 20 ou 30 amigos passarem a tarde jogando truco e conversa fora, bebendo cerveja e fumando cigarros.

Entre os frequentadores, encontra-se Wilson Menochelli, de 63 anos, ex-tabagista (fumou dos 13 aos 30 anos) e um dos pacientes mais antigos em seguimento comigo — desde o ano de 2003. Ele toma poucos remédios, alguns para a pressão, outro para os triglicérides e um último para o “pré-diabetes”. De poucas palavras ou queixas, determinou que nossa relação médica/paciente sempre transcorresse de forma tranquila.

Durante sua infância, o pai trabalhava na Usina Santa Helena e residia, na colônia, com a família, sem custos de aluguel. Morreu cedo, vitimado por um infarto, aos 44 anos. Deixou a esposa doente com a escadinha de filhos: 1, 5, 8, 11 e 14 anos. José Wilson, ou Xixo, como carinhosamente o chamavam, então o filho mais velho, logo tratou de arranjar emprego e tornou-se o arrimo da família.

Sua história com o tabagismo começou como muitas: dentro de casa. Ele e os irmãos pegavam os cigarros de fumo de corda que o pai e a nona deixavam no fogão a lenha. Assistira, lentamente, ao sofrimento da tia mais velha devido a um câncer de boca e, depois, à morte súbita do pai por um infarto. Ambos consumiam cigarros.

Sempre às voltas com o sustento da mãe e dos irmãos, permaneceu solteiro e os viu crescerem, casarem-se e terem filhos. Quando Cláudio, o irmão mais novo, se casou com Adriana, convidaram-no para morar com eles. Como um pai para o irmão e como um avô para os sobrinhos, José Wilson recebeu o amor e o carinho de todos da família. Certa vez, à ocasião do casamento de um deles, ninguém sabia o nome correto do tio. Tiveram que telefonar e perguntar — queriam preencher, bonito, o envelope com o convite.

Único provedor da casa, notou que o vício nos cigarros — 30 por dia — tornara-se caro e, preocupado com as finanças, resolveu parar de fumar.

Dentre todas as medidas que visam a reduzir a prevalência do tabagismo no Brasil e no mundo, a que causa maior efeito resulta do aumento dos impostos sobre os produtos derivados do tabaco. No site da Sociedade de Pneumologia e Tisiologia do Rio de Janeiro (www.sopterj.com.br/calculo-do-fumo), uma calculadora ensina a estimar os gastos do fumante com o vício. De acordo com os dados dela, José Wilson, ao longo de 17 anos, fumou 183.600 cigarros, a um custo de R$ 91.800,00. Se houvesse aplicado o dinheiro dos cigarros com rendimentos de 1% ao mês, ele teria hoje R$ 297.588,49.

Os 3 Menochellis vivem bem. Sempre unidos, gostam de passear no Shopping Piracicaba ou de almoçar, nos finais de semana, em Rio das Pedras. Quando se reúnem com os parentes, a diversão fica por conta do bingo caseiro, cheio de prendas.

Se ninguém quiser passear, Xixo não fica em casa — lá na praça do Canta Sapo sempre encontra companhia.

*Dra. Juliana Barbosa Previtalli – médica cardiologista, integrante do Corpo Clínico da Santa Casa de Piracicaba; diretora científica da SOCESP regional Piracicaba; idealizadora do projeto antitabagismo “Paradas pro Sucesso”.

A Província apoia o projeto e a campanha antitabagismo “Paradas pro Sucesso”. Para acompanhar outras crônicas desta série, acesse a TAG Paradas pro Sucesso.

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