Subversivo

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“Encontramos este homem a subverter nossa nação…”. (Lc 23, 2). Essa foi uma das acusações dos chefes do povo contra Jesus. “Ele subleva o povo, ensinado por toda a Judéia, desde a Galiléia, onde começou, até aqui”, insistiam. (Idem 5).

Subverter pode significar revolver de baixo para cima os costumes, os hábitos; desordenar, perturbar, revolucionar; aliciar para idéias ou atos subversivos. Foi o que fez Jesus. “Todo aquele que se faz rei, opõe-se a Cesar”. “Não temos outro rei a não ser Cesar!” (Jo 19,13, 15). Interessante que Jesus nunca se disse rei. Inventaram. Tanto que no episódio dos pães “… sabendo que viriam buscá-lo para fazê-lo rei, retirou-se de novo, sozinho para o monte.” (Jo 6,15). Nem diante de Pilatos se declarou rei.

Cheio de glória e poder, o rei que esperavam expulsaria os opressores e restabeleceria o reino de Israel. Jamais tal rei proporia um reino feito em mutirão, sem armas. Não viria montado num jumentinho rodeado de gente mal vista. Nem andaria a esmo sem ter onde reclinar a cabeça. Muito menos viria da Galiléia, região de xucros rebeldes. Jamais acusaria o Templo de covil de ladrões e não se deixaria levar como cordeiro para o matadouro. Não gostaram do letreiro que Pilatos mandou colocar acima da cruz: “Jesus nazareno, o rei dos judeus”. (Jo 19,19). Na verdade, Jesus coroado de espinhos e com uma cana nas mãos satirizava todos os reis da Terra, porque maior é quem serve não quem manda.

No tempo de Jesus, religião e estado dormiam na mesma cama. O Templo era uma espécie de banco central onde se fazia o câmbio da moeda “impura” pela “pura”. Com ela o cidadão podia comprar animais para o sacrifício. Os cambistas cobravam por isso. As terras da Palestina estavam nas mãos de latifundiários, que faziam parte da elite econômica e religiosa; eles controlavam toda a produção. O Sumo sacerdote alugava os espaços ao redor do templo para os vendedores e cambistas. Os animais a serem sacrificados eram criados nos latifúndios e vendidos a preço de ouro por ocasião da Páscoa, festa à qual o judeu adulto deveria ir para pagar os impostos previstos e oferecer sacrifícios. Os pobres podiam oferecer pombas, mais baratas. De casa de oração, o local virou opressão e falsidade. O acesso a Deus ficara caro e complicado. A mulher não tinha vez. O povo era tido pelas elites como inculto e impuro. Inventaram que riqueza era sinal de bênçãos de Deus; pobreza e infertilidade – da mulher é claro – sinal de maldição; doença estava ligada ao pecado, próprio ou dos pais. Todo mundo se achava em débito com Deus, exceto os parasitas do poder. É assim que mantinham o controle.

O choque é inevitável. Jesus entra em confronto com eles, mesmo sabendo que não sairia vivo dessa. Arrumam motivo político que justifique sua condenação pelo Estado sem precisar se manchar com “sangue inocente”. Jesus não volta atrás. Deus é fiador de sua mensagem. Ele estava certo. Nos anos 70 a Judéia foi arrasada por Roma. Os seguidores de Jesus sobrevivem e se espalham. Superam sangrentas perseguições e ultrapassam o mais longo e cruel império que a humanidade ergueu: o Romano.

Hoje nos dizemos seguidores de Jesus. No entanto, nossa cidade virou arena aonde poderes pisam a vida, destroem a natureza e segregam os mais pobres. Poucos têm acesso ao melhor; a maioria que se contente com o resto.

Gente não falta nas missas de domingo e cultos lotam, porém conseguimos conviver muito bem com injustiças. Talvez porque ninguém chuta cachorro morto, nossa Igreja a ninguém incomoda, aliás até recebe ajuda de opressores. Se nosso jeito de viver não questiona e nada transforma talvez sirva para nós o recado do Apocalipse: “Não és nem frio e nem quente. Oxalá fosses frio ou quente! Assim, porque és morno, estou para te vomitar de minha boca”. (Ap 3, 16).

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